Dentre os inúmeros
aplicativos de celulares disponíveis a solitários como eu, no meio daqueles que
nos permitem pedir pizzas individuais ou games mortais, há um chamado Xuber.
Devido a uma não intencional semelhança de nomes com outro aplicativo, às vezes
esse passa despercebido a muitos incautos por acreditarem que é uma de suas meras
variações.
Basta preencher online um
simples formulário no aplicativo, enviar e esperar. Quer dizer... como se “esperar”
pudesse ser qualificado tão ingenuamente junto à palavra basta! Sim, enviar e
esperar é a pior parte pois, às vezes, a demora acaba interferindo
negativamente no desejo que na hora sentimos, o desejo que se mostrou crescente
à medida em que se preenchia os vários itens do formulário e a imaginação
corria solta.
Mas a espera acaba inevitavelmente,
sempre acaba. O carro chega e lá se vão vocês dois. Ou mais do que dois, se
você optar por um prazer mais compartilhado. E vocês vão até o lugar
previamente escolhido onde, ainda no carro, tudo acontece como se deve
acontecer.
No começo, os
administradores do Xuber, que, como só podíamos esperar, ficam com a parte do
leão, eles não ofereciam lugares apropriados para essa tal estratégica e
agradável parada e ladrões e policiais afastaram muitos clientes.
Agora não, grandes terrenos
espalhados pela cidade foram comprados e são pra lá que os carros se dirigem
após terem recolhidos seus clientes em casa. Decorações bem escolhidas e as
sensações do proibido e de insegurança envolvem os clientes com total
segurança. Fetiches e sensações, disso se trata.
A lista de opções é grande,
e há os que prefiram motoristas com fantasias, e há os que se divertem fazendo
bizarros pedidos, e há os que aproveitam pra pedir o jantar incluso...
Mas o charme, é claro, é a
escolha do carro. Fetiche incluído, cara! Vez eu me surpreendi com uma jovem em
uma Romiseta. Sexo vintage aquele, apertado e histórico. O bom é que ela era do
tipo mignon.
A loira fatal no Impala Imperial
1957, o casal no fusca Brigitte Bardot, a mulher maravilha em sua Harley-Davidson,
façam suas escolhas.
Daquela vez, meu pedido foi
atendido rapidamente e logo o porteiro do prédio me avisou que um carro estava
à minha espera. Desci ansioso para o encontro.
Ela tinha a idade de minha
avó e trajava um jeito todo especial e carinhoso de comportamento, de vestes e
de fala. Suas rugas sem remorsos não escondiam, porém, a bela e tranquila
mulher que ela era e aparentemente sempre fora. Sorriso constante, respondia-me
com frases onde delicadas e precisas mesóclises conviviam harmoniosamente com
expressões e palavras que eu quase desconhecia. Enquanto esperávamos um sinal
abrir, e eu torci para que aquele momento se alongasse tal o prazer sentia em
ouvi-la, ela dissertou sobre as origens de um conhecido provérbio e suas
traduções em quinze diferentes línguas, algumas já mortas e devidamente
enterradas.
Chegamos, ela estacionou o
carro com a tranquilidade dos deuses enquanto me contava suas impressões sobre
um livro lido horas antes. Desligou o carro, sorriu, olhou-me, sua mão vivida
tocou-me com carinho maternal.
Ao prazer verbal, seguiu-se
o oral e, pela hora e tanto que permanecemos juntos naquele carro (qual carro? quem
se importa...), passeamos livremente por todas as experiências sensoriais à
nossa disposição.
Foi o melhor sexo que tive
na vida!
Inebriado, fiquei sem
palavras quando ela me deixou de volta no meu apartamento e até hoje eu me
arrependo de não tê-la pedido em casamento naquele preciso instante, ou ao
menos que me desse o seu número do celular...
Quanto prazer não teríamos
naquela minha biblioteca herdada? fico a me perguntar, constantemente, em longas
noites de pizzas individuais... Ouvi-la ler Pessoa enquanto sua nuca explora
lentamente a minha língua, seu gemido ao final da frase derradeira do poema. O
sofá onde embolaríamos nossas pernas e nossas ideias jogadas ao acaso... uma
crescente admiração por ela que seguramente viria acompanhando tudo isso...
Mas perdi minha chance!
Como de hábito, depois de
preencher as informações básicas no aplicativo do Xuber, vou até o final do formulário online e
escolho o item “Surpreenda-me”. Abre-se aí uma nova janela com as opções: “com
gentileza”, “sem gentileza” e “surpreenda-me totalmente”.
Escolho invariavelmente “com
gentileza”. Surpreenda-me com gentileza, assim quero e não tenho me arrependido
das surpresas e da diversidade que tenho recebido de volta.
E quanto ao complemento que
sempre escolho, o que nos resta afinal nessa vida a não ser pedir que ao menos
seja com gentileza?