quinta-feira, 16 de março de 2017

Gincana




            Não entendo muito bem certas coisas, talvez sejam os estragos dos anos que me levam a isso. Uma crônica falta de confiança nos que estão no poder, a falta de transparência nos dados e nos argumentos apresentados, a sensação de estar com um revolver apontado à cabeça com alguém gritando “perdeu, perdeu...” Entrega-se a carteira e pronto, nada mais a fazer.
            Do que estou falando agora? Ah, da reforma da previdência. Assim me sinto quando penso nela. Por isso, em uma conversa sobre esse assunto, acabei falando:
            “... se eu tivesse tempo pra me aposentar...”
            “Como assim? Você não tem tempo ainda?” Alguém perguntou assustado.
            Não... Tem certeza? Tenho. Pede uma contagem de tempo. Já pedi. E aí? Ainda faltam alguns anos... Devem ter errado, pede de novo...
            Silêncio... constrangedor... É duro aceitar que as pessoas olham para você e não acreditam que você ainda não possa se aposentar. Retomo a respiração.
            “... se eu tivesse tempo pra me aposentar, não pensaria duas vezes...” consigo completar o meu raciocínio.
            “Eu tenho”, disse um colega, “mas o governo garantiu que quem tivesse o direito não iria perdê-lo...”
            Inevitável rir nessa hora, depois do que vivemos nesse último ano.
            “É que você acredita em... e em... e também em..." Eu já perdi tantos direitos adquiridos e tantos direitos certos já me foram tirados que não aguentaria perder mais um. Tantas reinterpretações da lei ao sabor dos ventos nesse nosso mundinho pós-verdade... "Sorte a sua de ainda acreditar. Mas como eu não tenho tempo pra aposentar...”
            Mas como não...? Não tenho... Tem certeza? Isso tenho. Pede a contagem de tempo... Já pedi... E aí? Ainda faltam alguns anos...

            Semana passada foi a da recepção aos ingressantes aqui na faculdade. Pra bancar o engraçadinho, em uma reunião dos docentes com os novos alunos, eu mencionei que conhecia bem o IME, pois ingressara lá em 1979, aluno como eles, e conclui dizendo que eles nem eram nascidos à época. Olhei em volta, vi umas caras de estranhamento, e corrigi a tempo, acho que nem seus pais eram nascidos...
            Enquanto os colegas se apresentavam na reunião eu ia pensando: “a esse eu dei aula... a esse outro também... àquele eu já era chefe quando foi contratado...”
            Sobrevivi...

            Dia seguinte, estava na minha sala preparando a aula e aparece uma aluna bem jovem, acho que de outra unidade, e me pergunta de supetão a quantos anos eu trabalhava na USP. Disse que fui contratado em 1985 e ela retrucou “não sei fazer essa conta...”. Como professor, ajudei, tenho 32 anos trabalhando como professor aqui. Ah! ela disse. Curioso, perguntei por que ela queria saber e ela me contou que estava em uma gincana de ingressantes e a tarefa era conseguir o docente que tivesse o menor número USP.
            Ela procurando o matusalém da USP e eu me qualifico como candidato? O que é isso? Eu já me preparava pra fazer uma lista de colegas mais velhos do que eu quando ela, com certeza se apiedando de minha cara de decepção, me disse:
            “Não se preocupe, já encontrei um que trabalha na USP há 35 anos. O número USP dele tem cinco dígitos, acredita?”
            “O meu também tem cinco dígitos...” e, antes que ela falasse algo a mais eu perguntei: “... e qual é o primeiro dígito do número dele?”
            “Sete” ela respondeu e foi embora em sua busca por mais animais pré-históricos.
            Antes que alguém pergunte, o primeiro dígito de meu número USP é oito! Ufa!

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