Não entendo muito bem certas coisas, talvez sejam os estragos dos anos que me levam a isso. Uma crônica falta de confiança nos que estão no poder, a falta de transparência nos dados e nos argumentos apresentados, a sensação de estar com um revolver apontado à cabeça com alguém gritando “perdeu, perdeu...” Entrega-se a carteira e pronto, nada mais a fazer.
Do que
estou falando agora? Ah, da reforma da previdência. Assim me sinto quando penso
nela. Por isso, em uma conversa sobre esse assunto, acabei falando:
“... se
eu tivesse tempo pra me aposentar...”
“Como
assim? Você não tem tempo ainda?” Alguém perguntou assustado.
Não...
Tem certeza? Tenho. Pede uma contagem de tempo. Já pedi. E aí? Ainda faltam
alguns anos... Devem ter errado, pede de novo...
Silêncio...
constrangedor... É duro aceitar que as pessoas olham para você e não acreditam
que você ainda não possa se aposentar. Retomo a respiração.
“... se
eu tivesse tempo pra me aposentar, não pensaria duas vezes...” consigo
completar o meu raciocínio.
“Eu
tenho”, disse um colega, “mas o governo garantiu que quem tivesse o direito não
iria perdê-lo...”
Inevitável
rir nessa hora, depois do que vivemos nesse último ano.
“É que
você acredita em... e em... e também em..." Eu já perdi tantos direitos
adquiridos e tantos direitos certos já me foram tirados que não aguentaria
perder mais um. Tantas reinterpretações da lei ao sabor dos ventos nesse nosso
mundinho pós-verdade... "Sorte a sua de ainda acreditar. Mas como eu não tenho
tempo pra aposentar...”
Mas como
não...? Não tenho... Tem certeza? Isso tenho. Pede a contagem de tempo... Já
pedi... E aí? Ainda faltam alguns anos...
Semana
passada foi a da recepção aos ingressantes aqui na faculdade. Pra bancar o
engraçadinho, em uma reunião dos docentes com os novos alunos, eu mencionei que
conhecia bem o IME, pois ingressara lá em 1979, aluno como eles, e conclui
dizendo que eles nem eram nascidos à época. Olhei em volta, vi umas caras de
estranhamento, e corrigi a tempo, acho que nem seus pais eram nascidos...
Enquanto os colegas se apresentavam na reunião eu ia pensando: “a esse eu dei aula... a esse outro
também... àquele eu já era chefe quando foi contratado...”
Sobrevivi...
Dia
seguinte, estava na minha sala preparando a aula e aparece uma aluna bem jovem,
acho que de outra unidade, e me pergunta de supetão a quantos anos eu trabalhava
na USP. Disse que fui contratado em 1985 e ela retrucou “não sei fazer essa
conta...”. Como professor, ajudei, tenho 32 anos trabalhando como professor
aqui. Ah! ela disse. Curioso, perguntei por que ela queria saber e ela me
contou que estava em uma gincana de ingressantes e a tarefa era conseguir o
docente que tivesse o menor número USP.
Ela
procurando o matusalém da USP e eu me qualifico como candidato? O que é isso?
Eu já me preparava pra fazer uma lista de colegas mais velhos do que eu quando
ela, com certeza se apiedando de minha cara de decepção, me disse:
“Não se
preocupe, já encontrei um que trabalha na USP há 35 anos. O número USP dele tem
cinco dígitos, acredita?”
“O meu
também tem cinco dígitos...” e, antes que ela falasse algo a mais eu perguntei:
“... e qual é o primeiro dígito do número dele?”
“Sete”
ela respondeu e foi embora em sua busca por mais animais pré-históricos.
Antes
que alguém pergunte, o primeiro dígito de meu número USP é oito! Ufa!
Nenhum comentário:
Postar um comentário