E agora eu fico
olhando essa foto de nós dois, é o que sobrou de tudo, além da tartaruga que se
chama esperança, é claro, dessa tartaruga que nos faz companhia, a mim e ao
gato que sabe cafunezar.
Ela e eu
crescemos juntos. Bom, talvez isso seja um tanto quanto exagerado. A gente se
via frequentemente. Tá... tá... isso também foge um pouco da realidade... Mas como
explicar a nossa ligação no passado? E a que ficou, então?
Sim, com
certeza, nós passamos um par de verões juntos na fazenda de uma de nossas tias
em comum. Dois verões, talvez, dos quais eu me recordo especialmente de um.
Do que
me lembro?
De ser
pequeno.
De muita
gente aparecer e desaparecer por lá naquele janeiro quente.
Conhecidos
ou não, muita gente.
De
estarmos, ela e eu, sempre juntos, disso me recordo.
De, por
conta disso, sermos chamados de namoradinhos.
Da
risadinha estranha da tia solteira quando primeiro nos chamou de namoradinhos,
como se esquecer disso?
Mas também
me lembro de algo mais.
Era
pequeno, já disse.
Me
lembro dela me arrastar pra longe da casa principal.
De irmos
correndo por entre as árvores e sempre olhando para trás.
Me
lembro de entrarmos na casa de ferramentas, longe de todos.
Me
lembro dela tirando a roupa. Ela era pequena também, não me interpretem mal.
Me
lembro dela pedindo pra eu tirar a minha roupa também. Eu era pequeno, todo
pequeno...
Me
lembro dela me pedir para deitar em cima dela, ela tinha aberto as pernas.
Éramos pequenos e quem acha que houve algo a mais do que um arrepio
inconsequente, algo mais do que um estranhamento, uma curiosidade satisfeita,
está enganado. Foi só isso, e foi só um gemido dela, gemido um tanto quanto
forçado, pelo que me lembro.
Me
lembro dela me contar depois que vira os tios fazendo isso, na noite anterior.
Falou do gemido da tia, abafado por sua mão e que mais parecia um suplício.
E foi
tudo.
Nunca
mais falamos disso, tão estranho foi esse nosso teatrinho escondido. Nem
sabíamos por que estávamos fazendo isso escondido. Era pequeno e não entendia,
mas algo parecia errado, ou estranho, senti vergonha de meu corpo entre as
pernas dela, seu abraço forçando nossos corpos a se unirem.
Sabe
mais o que eu vi? ela perguntou enquanto forçava minha cabeça por entre as suas
pernas.
Não
quero, não... (se eu soubesse à época como isso era bom! mas eu era pequeno,
cara, inocente, bobinho... Ah! e se eu soubesse que nunca mais teria outra
chance com ela, sequer tocar sua pele macia de novo...).
E o que
sobrou nos dias seguintes foi um olhar estranho entre a gente, nada que alguém
pudesse perceber, nisso ela sempre foi convincente. Mas é claro que eu não
conseguia encarar os tios que tanto a inspiraram sem ter vontade de rir...
Nunca
mais falamos disso e quando a reencontrei em um sebo, muitos anos depois, já
éramos crescidos e maduros o suficiente para relembrar e dar boas risadas de
nossa inocência de então. Mas nada, nada dissemos então, nem uma palavra dela e
tampouco minha.
Alguns
dias depois... ou foram muitos? Poucos ou muitos e acabou o verão, acabou nossa
estadia por lá. Malas sendo feitas apressadas, correria para deixar tudo em
ordem, a casa da fazenda ficaria fechada por algum tempo até voltarmos, até
alguém voltar. Alguém, mas não eu, que naquele ano tudo mudaria em minha vida,
meu pai morreria e minha mãe iria embora em busca da felicidade com um novo
amigo. E eu não voltaria mais àquela fazenda.
Como sempre em nossa família,
tudo acaba em uma sessão de fotos e não seria diferente naquele último dia de
verão na fazenda.
Queria
uma foto... nós dois... pedi encabulado ao meu tio que se encarregava da
máquina fotográfica. Encabulado e assustado, ou acho que estava assim se considerarmos
o resultado da foto.
Risadas,
a tia ainda mencionou de novo a estória dos namoradinhos.
E acabou
o verão, acabou nossa estadia na fazenda, minha vida mudou, demorou muito a
tornar a vê-la de novo, assim me lembro, assim deve ter acontecido.
E agora
fico eu aqui olhando essa foto. Meus olhos arregalados e assustados não deixam
dúvidas. A risada dela, seu olhar confiante, mesmo pequena, sempre me
intimidaram, sempre...
A foto,
a tartaruga que lentamente se afasta de mim, as lembranças, ela, seu olhar
intimidador, melhor mesmo é eu abrir uma outra garrafa de vinho...
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