[[[continuação da semana passada]]]
Não que a conversa telefônica entre o Thio Therezo e a
Yoko tenha se dado de forma tranquila naquela exposição no Tomie. Na realidade,
assim que ela começou, o Thio for cercado pelos presentes e logo um guardinha
tentou interferir e pediu ao Thio que recolocasse o telefone no gancho.
Coitado, isso só suscitou uma discussão entre os presentes (o Thio nem se
distraía de sua conversa com a Yoko) sobre a arte conceitual, afinal, se o
objetivo é a interação do público com a obra, nada mais apropriado que o Thio
pudesse falar com a Yoko, no telefone que ela deixou à disposição, em plena
manhã de quinta-feira em uma lingua exótica a quase todos os presentes.
Nada mais justo e conceitual que isso.
O guardinha, que a princípio pareceu se convencer da
argumentação logo se preocupou com o seu próprio emprego (esse sim real e não meramente
conceitual) e decidiu ir consultar os
superiores... (alguém ainda brincou que ele não conseguiria contactar a
“superior” Yoko pois ela estava, aparentemente, ocupada naquela momento).
E logo, tendo em vista aquela situação surrealista, alguém
disse em voz alta que “estávamos todos vivendo a história”. Ao que outro alguém,
querendo deixar um registro de tão importante momento, propôs que se redigisse
um manifesto pela arte conceitual nesses tempos de pós-verdades!
E logo, um grupo se sentou ao chão, há sempre nessas
horas algum sujeito do signo de Câncer querendo organizar a bagunça, organizar
o mundo. São, via de regras, ignorados... mas continuam tentando...
E logo, a conversa tomou ares de assembléia, votou-se,
não sem uma baita polêmica e extensa campanha com direito a comícios e medidas
cautelares, um presidente desse novo movimento, um secretário pra redigir as
atas. Questões de ordem abundaram, objeções semânticas foram levantadas,
recursos e insinuações também.
Alguém avisou que a tropa de choque fora chamada prá
dispersar a baderna, o que causou um certo rebuliço e atrasou a redação final
do manifesto (perto de mim, ouvi dois guardinhas comentando que com esse tipo
de gente, só mesmo gás lacrimogênio e balas de borracha, “dizem que eles até
gostam...” retrucou o outro).
Redigido, digitado e impresso, o manifesto ficou pronto pra
divulgação e logo começaram a discutir a quem deveriam entregar,
simbolicamente, esse documento. Algum expoente da pós-verdade, isso estava
claro a todos.
“Temer”, alguém sugeriu e acrescentou que, além do mais,
ele morava perto dali, o que facilitava tudo visto que já era quase hora do
almoço. A polêmica tomou conta a partir dessa sugestão, quase que fizeram um
plebiscito para tal, desistiram na última hora, urnas já prontas, cédulas já
impressas. Muitos argumentavam que deveriam buscar algum influente ideólogo da
pós-verdade, outros que não bastava entregar isso a qualquer subalterno
cumpridor de ordens. Até que alguém lembrou que ele era escritor.
Cara, foi constrangedor... um silêncio absoluto tomou
conta do museu, ouvia-se mal e mal o ruído da rua, silêncio esse que perdurou
mais do que qualquer mente caridosa poderia sequer esperar.
Ao final, decidiu-se que o melhor seria não entregar o
documento a ninguém em especial. Jogá-lo aos ventos era o melhor e o melhor era
fazê-lo no simbólico Largo da Batata, pois nada mais conceitual que um lugar
com esse nome. Acompanhado, é claro, de intervenções urbanas e performances e
pixações. Foram todos em passeata para lá.
O curador da exposição ainda cruzou com o grupo que saia
entoando palavras de odens enquanto chegava à sala, espavorido e acompanhado do
guardinha que o fora chamar.
Sossegou ao ver o seu velho amigo Thio Therezo a quem
abraçou efusivamente. O Thio ainda terminou sua conversa com a Yoko (depois,
soube que ele tentou explicar um pouco a ela o que se passava ao redor enquanto
conversavam, o que causou risos à artista e a ele, Thio, que se prometeram
mutuamente um dia fazer uma performance baseada nessa experiência).
Ao saírem da sala, o curador e o Thio Therezo notaram a
falta das pedras na obra que fica bem na entrada, ao que o Thio comentou:
“Acho que vocês terão que providenciar novas pedras...”
“... só espero que, dessa vez, sejam pedras mais
condizentes com o espírito da instrução...” respondeu, rindo, o curador.
E saímos os três para um necessário café acompanhado de
prosa.
Os pregos, aliás, também deverão ser repostos, assim como
os potes de tintas...