quinta-feira, 18 de maio de 2017

O telefone da Yoko - II

 [[[continuação da semana passada]]]

            Se por consequência de nossa conversa do dia anterior ou por conta de qualquer outra razão, decifrável ou não, o fato é que o Thio Therezo me acordou cedo naquela quinta-feira tentando me convencer a acompanhá-lo à exposição da Yoko no Tomie, a mesma que eu já tinha ido na véspera e da qual tanto conversamos a respeito.
            Eu ainda tentava manter os olhos abertos quando ele falou:
            “Mas tem uma condição, garoto, tanto eu quanto você vamos participar ativamente de uma das instruções da Yoko!” Nada mais desencorajador a alguém como eu que isso: participar de alguma performance de arte, em museu, na rua ou em um teatro que seja. Ainda mais se esse alguém está com o sono atrasado. Só tive tempo de insistir em meu caráter contemplativo antes de me virar e tantar retomar meu justo descanso.
            “... que contemplativo que nada! Você é preguiçoso, isso sim...” e completou “... vamos lá, garoto, vai ser divertido!”
            Isso sim, se há uma palavra pra descrever essa minha convivência com o Thio é essa. Divertido!
            Desisti de resistir e lá fomos nós.
            Como eu já tinha visitado a exposição, comecei a explicar as obras ao Thio, que me olhava com condescendência e ironia.
            “Que?” perguntei.
            “Nada, nada... tá bom, garoto... saiba que eu conheço todas essas instruções da Yoko de cor e salteado... não te contei?”
            Engoli em seco, sim ele tinha me contado com detalhes que poucos conheciam. O Thio então me cobrou a promessa de participar de alguma instrução da Yoko, ele parecia ansioso além da conta.
            Suspirei sem esperança de escapar desse encargo, pois seguramente era mais fácil participar de alguma instrução, o mais discreto possível, e se livrar disso que tentar argumentar com ele. Uma rápida olhada nas opções viáveis e escolhi pregar um prego na madeira que ficava na parede quase que na entrada da sala.
            Ajustei o prego, bati o martelo com toda a minha convicção e talvez o impacto tenha sido muito convincente para um tímido como eu e, pago o meu mico, dois outros pregos se soltam da instalação e caem ao chão, chamando a atenção de todos os presentes. Como são barulhentos esses tais pregos de exposições conceituais!
            O Thio riu e só disse:
            “... e lá se vão os sonhos de duas pessoas... tsk tsk tsk... sobrinho destruidor de sonhos...”. Seus comentários e risos não me ajudaram em nada naquele momento. Desisti de pregar o meu na madeira e lá fui me afastando, fingindo uma naturalidade que dificilmente convenceu alguém naquele recinto. Tive até a impressão que um dos guardas da exposição me examinava com um justo olhar de reprimenda.
            “Ah! O telefone da Yoko!” Pronto, o Thio tinha achado o telefone. Foi só então que eu percebi que ele me forçara a participar de alguma instrução só para ter ele próprio um álibi para também participar de alguma outra. Paciência, o Thio e suas manias!
            O telefone... sim, percebia agora, era por isso que ele estava aqui!
            Ele foi até o aparelho. Retirou o fone do gancho aproveitando a distração dos guardinhas do museu. Discou um número. Se só há uma pessoa que conhece o número daquele telefone da exposição, é igualmente verdade que há poucas pessoas que sabem o número do telefone pessoal da Yoko. 
            E o Thio, um deles.
            “Hi,... Yoko?... yes, it’s me, Thio Therezo...” o Thio até caprichou no sotaque americano prá dizer o seu nome. Mas logo, todos os presentes começaram a se agrupar em torno do Thio que agora falava em uma linguagem estranha a nós.
            Horas depois, o Thio nos contou que falava com a Yoko em um dialeto oriental que poucas pessoas no mundo conhecem, era a maneira que eles encontraram para fugir dos curiosos de sempre que sempre os rodeiam. Ele comentou com ela sobre a montagem da exposição que lhe pareceu razoavelmente fiel com o que ela tinha dito a ele anos atrás. Só que...
            É... tinha um porém que, nessa posterior conversa comigo, o Thio revelou. Não gostou da escolha das pedras da instalação que está logo na entrada. Não combinavam, a seu ver, com momentos tristes ou mesmo com momentos alegres, estavam por demais polidas, por demais perfeitas, e ele até brincou com a Yoko que deveria ter um exército de ajudantes no museu prá, toda noite, lustrarem as pedras e apagarem as marcas digitais decorrentes de tanos maus e bons momentos vividos que essas deveriam simbolizar.
            Paciência, parece que foi o que a Yoko disse ao Thio... 
            Paciência, parece que foi o que o Thio respondeu à Yoko...

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