quinta-feira, 11 de maio de 2017

O telefone da Yoko

            Voltava da exposição da Yoko no Tomie Ohtake e cruzei com o Thio Therezo na rua. Acabamos almoçando juntos, pois ele queria muito saber de minha impressão a respeito dela (que, depois descobri serem elas: a exposição e a própria Yoko).
            Tenho dificuldades em fazer críticas sérias a respeito de arte, muito provavelmente por conta de meu pouco conhecimento. Foi por isso que comecei contando um rumor que apareceu nas redes sociais. Uma das obras da exposição é um telefone com uma placa dizendo algo do tipo: “se o telefone tocar, saiba que estarei presente” e a ideia era que se o telefone tocasse, teria que ser a própria Yoko a ligar pois só ela teria supostamente o número desse telefone.
            Diziam os rumores da pós-verdade que, durante a preparação da mostra em São Paulo, naquele momento em que a correria toma conta de todo o espaço, o telefone tocou e, após um daqueles momentos em que os corações aceleram e demora-se a ter a iniciativa, alguém finalmente atendeu. Era a Vivo que ligava para falar com o dono da linha e tentar vender um novo plano...
            O Thio riu, sabia que aquilo era mais do que plausível em nossas terrinhas... Mas o fato é que, de fato, o telefone tocou um dia na primeira semana da exposição e quem atendeu teve que se contentar em ouvir uma leve respiração do outro lado da linha.
            Nessa hora, estávamos saboreando uma bruschetta no restaurante e, se foi por isso ou não, o fato é que o Thio se calou por alguns instantes. Parecia lembrar-se de algo. Nessas horas, sabemos todos os seus sobrinhos, o melhor é deixá-lo à vontade para contar o que quisesse contar, de seu jeito e no seu tempo. Mas, desta vez, não demorou muito e ele começou.
            Contou-me um pouco de suas conversas com a Yoko que datavam de décadas. Ele a conheceu antes do que o John, mas a correria e um tantinho de ciúmes desse afastaram temporariamente o Thio da Yoko. Mas contou que a conheceu no dia daquela sua famosa performance em que ela quase acabou sem roupa por conta de um troglodita, o Thio foi um dos presentes que a apoiaram e evitaram que tudo acabasse em imprevistos desnecessários. Lembrei-me então que na exposição aqui no Instituto Tomie tinha um vídeo sobre essa performance. Após mais um instante de silêncio, o Thio me perguntou:
            “E você, interagiu com as obras?”
            “Não... não... você me conhece, Thio, sou do tipo contemplativo...”
            “Somos dois, somos dois...” o Thio respondeu e riu. E contou-me que esse sempre foi um ponto de desavença com a Yoko. Ela, entusiasta da arte conceitual, tinha uma série de obras cuja filosofia era a de interação com o público enquanto que a ele, o Thio, bastava ver e observar. E arguiam horas e horas a fim a respeito.
            O Thio agora saboreava o seu prato de massas, novo silêncio, nova espera, novo riso no canto da boca.
“Sabe esse telefone?” o Thio me perguntou, “a Yoko me pregou uma peça quando ele foi exposto em Nova York...”
O Thio ainda se deu ao luxo de terminar o seu prato antes de continuar a estória, para meu desespero que, apesar de contemplativo, sou muito curioso.
“Pois é... o telefone estava exposto no MOMA e formava-se uma fila em frente a ele, muitos queriam ter o privilégio de dizer que atenderam uma ligação da Yoko, e ela sabia disso.”
Pedimos sobremesa e café e ele continuou.
“Nessa época, eu estava em Nova York dando uma assessoria à ONU em algumas questões de política internacional, questões sobre o conflito no Oriente Médio... aliás, se eles tivessem seguido os meus conselhos a região agora seria um oásis de paz, mas... deixa prá lá. Aproveitei um intervalo nos trabalhos e fui visitar a Yoko e, como sempre, conversamos sobre a minha recusa em ser um partícipe de uma obra de arte. Ela se ausentou um pouco da sala e voltou com um telefone na mão que me passou e pediu-me para que ficasse em silêncio.”
O Thio disse então que, distraído, tomou o telefone da mão dela e escutou, do outro lado, um sujeito que repetidamente falava: “hello... Yoko... you there?... hello... hello...”. Só então percebeu a Yoko morrendo de rir do Thio que participara involuntariamente de uma de suas obras conceituais...
O Thio agora ri da estória mas disse que na hora ficou muito sem jeito, como é que poderia ter caído em uma armadilha como aquela? Mas ele agora ri, assim como riu um par de dias depois quando foi se despedir dela e ela se lembrou do fato em frente a amigos em comum.
Pagávamos a conta do restaurante e ainda o Thio me segredou algo. A Yoko, como sabido, dá instruções para que as obras feitas nessa interação com o público sejam destruídas assim que as exposições acabem. E quase todas têm os seus dias terminados dessa forma.
“Quase todas...” o Thio falou-me bem baixo, “quase todas... há uma que não foi destruída...”, piscou-me o Thio antes de ainda dizer sorrindo e se divertindo muito: “... é um prato que se come frio...”

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