Voltava
da exposição da Yoko no Tomie Ohtake e cruzei com o Thio Therezo na rua. Acabamos
almoçando juntos, pois ele queria muito saber de minha impressão a respeito
dela (que, depois descobri serem elas: a exposição e a própria Yoko).
Tenho dificuldades
em fazer críticas sérias a respeito de arte, muito provavelmente por conta de
meu pouco conhecimento. Foi por isso que comecei contando um rumor que apareceu
nas redes sociais. Uma das obras da exposição é um telefone com uma placa
dizendo algo do tipo: “se o telefone tocar, saiba que estarei presente” e a
ideia era que se o telefone tocasse, teria que ser a própria Yoko a ligar pois
só ela teria supostamente o número desse telefone.
Diziam
os rumores da pós-verdade que, durante a preparação da mostra em São Paulo,
naquele momento em que a correria toma conta de todo o espaço, o telefone tocou
e, após um daqueles momentos em que os corações aceleram e demora-se a ter a
iniciativa, alguém finalmente atendeu. Era a Vivo que ligava para falar com o
dono da linha e tentar vender um novo plano...
O Thio
riu, sabia que aquilo era mais do que plausível em nossas terrinhas... Mas o
fato é que, de fato, o telefone tocou um dia na primeira semana da exposição e
quem atendeu teve que se contentar em ouvir uma leve respiração do outro lado
da linha.
Nessa
hora, estávamos saboreando uma bruschetta no restaurante e, se foi por isso ou
não, o fato é que o Thio se calou por alguns instantes. Parecia lembrar-se de
algo. Nessas horas, sabemos todos os seus sobrinhos, o melhor é deixá-lo à
vontade para contar o que quisesse contar, de seu jeito e no seu tempo. Mas,
desta vez, não demorou muito e ele começou.
Contou-me
um pouco de suas conversas com a Yoko que datavam de décadas. Ele a conheceu
antes do que o John, mas a correria e um tantinho de ciúmes desse afastaram
temporariamente o Thio da Yoko. Mas contou que a conheceu no dia daquela sua
famosa performance em que ela quase acabou sem roupa por conta de um
troglodita, o Thio foi um dos presentes que a apoiaram e evitaram que tudo
acabasse em imprevistos desnecessários. Lembrei-me então que na exposição aqui no Instituto Tomie tinha um vídeo sobre essa performance. Após mais um instante de silêncio,
o Thio me perguntou:
“E você,
interagiu com as obras?”
“Não...
não... você me conhece, Thio, sou do tipo contemplativo...”
“Somos
dois, somos dois...” o Thio respondeu e riu. E contou-me que esse sempre foi um
ponto de desavença com a Yoko. Ela, entusiasta da arte conceitual, tinha uma
série de obras cuja filosofia era a de interação com o público enquanto que a
ele, o Thio, bastava ver e observar. E arguiam horas e horas a fim a respeito.
O Thio
agora saboreava o seu prato de massas, novo silêncio, nova espera, novo riso no
canto da boca.
“Sabe esse telefone?” o Thio
me perguntou, “a Yoko me pregou uma peça quando ele foi exposto em Nova
York...”
O Thio ainda se deu ao luxo
de terminar o seu prato antes de continuar a estória, para meu desespero que,
apesar de contemplativo, sou muito curioso.
“Pois é... o telefone estava
exposto no MOMA e formava-se uma fila em frente a ele, muitos queriam ter o
privilégio de dizer que atenderam uma ligação da Yoko, e ela sabia disso.”
Pedimos sobremesa e café e
ele continuou.
“Nessa época, eu estava em
Nova York dando uma assessoria à ONU em algumas questões de política
internacional, questões sobre o conflito no Oriente Médio... aliás, se eles
tivessem seguido os meus conselhos a região agora seria um oásis de paz, mas...
deixa prá lá. Aproveitei um intervalo nos trabalhos e fui visitar a Yoko e,
como sempre, conversamos sobre a minha recusa em ser um partícipe de uma obra
de arte. Ela se ausentou um pouco da sala e voltou com um telefone na mão que
me passou e pediu-me para que ficasse em silêncio.”
O Thio disse então que,
distraído, tomou o telefone da mão dela e escutou, do outro lado, um sujeito
que repetidamente falava: “hello... Yoko... you there?... hello... hello...”.
Só então percebeu a Yoko morrendo de rir do Thio que participara involuntariamente de
uma de suas obras conceituais...
O Thio agora ri da estória
mas disse que na hora ficou muito sem jeito, como é que poderia ter caído em
uma armadilha como aquela? Mas ele agora ri, assim como riu um par de dias
depois quando foi se despedir dela e ela se lembrou do fato em frente a amigos
em comum.
Pagávamos a conta do
restaurante e ainda o Thio me segredou algo. A Yoko, como sabido, dá instruções
para que as obras feitas nessa interação com o público sejam destruídas assim
que as exposições acabem. E quase todas têm os seus dias terminados dessa
forma.
“Quase todas...” o Thio
falou-me bem baixo, “quase todas... há uma que não foi destruída...”, piscou-me
o Thio antes de ainda dizer sorrindo e se divertindo muito: “... é um prato que
se come frio...”
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