quinta-feira, 25 de maio de 2017

O telefone da Yoko - III



 [[[continuação da semana passada]]]

            Não que a conversa telefônica entre o Thio Therezo e a Yoko tenha se dado de forma tranquila naquela exposição no Tomie. Na realidade, assim que ela começou, o Thio for cercado pelos presentes e logo um guardinha tentou interferir e pediu ao Thio que recolocasse o telefone no gancho. Coitado, isso só suscitou uma discussão entre os presentes (o Thio nem se distraía de sua conversa com a Yoko) sobre a arte conceitual, afinal, se o objetivo é a interação do público com a obra, nada mais apropriado que o Thio pudesse falar com a Yoko, no telefone que ela deixou à disposição, em plena manhã de quinta-feira em uma lingua exótica a quase todos os presentes.
            Nada mais justo e conceitual que isso.
            O guardinha, que a princípio pareceu se convencer da argumentação logo se preocupou com o seu próprio emprego (esse sim real e não meramente conceitual)  e decidiu ir consultar os superiores... (alguém ainda brincou que ele não conseguiria contactar a “superior” Yoko pois ela estava, aparentemente, ocupada naquela momento).
            E logo, tendo em vista aquela situação surrealista, alguém disse em voz alta que “estávamos todos vivendo a história”. Ao que outro alguém, querendo deixar um registro de tão importante momento, propôs que se redigisse um manifesto pela arte conceitual nesses tempos de pós-verdades!
            E logo, um grupo se sentou ao chão, há sempre nessas horas algum sujeito do signo de Câncer querendo organizar a bagunça, organizar o mundo. São, via de regras, ignorados... mas continuam tentando...
            E logo, a conversa tomou ares de assembléia, votou-se, não sem uma baita polêmica e extensa campanha com direito a comícios e medidas cautelares, um presidente desse novo movimento, um secretário pra redigir as atas. Questões de ordem abundaram, objeções semânticas foram levantadas, recursos e insinuações também.
            Alguém avisou que a tropa de choque fora chamada prá dispersar a baderna, o que causou um certo rebuliço e atrasou a redação final do manifesto (perto de mim, ouvi dois guardinhas comentando que com esse tipo de gente, só mesmo gás lacrimogênio e balas de borracha, “dizem que eles até gostam...” retrucou o outro).
            Redigido, digitado e impresso, o manifesto ficou pronto pra divulgação e logo começaram a discutir a quem deveriam entregar, simbolicamente, esse documento. Algum expoente da pós-verdade, isso estava claro a todos.
            “Temer”, alguém sugeriu e acrescentou que, além do mais, ele morava perto dali, o que facilitava tudo visto que já era quase hora do almoço. A polêmica tomou conta a partir dessa sugestão, quase que fizeram um plebiscito para tal, desistiram na última hora, urnas já prontas, cédulas já impressas. Muitos argumentavam que deveriam buscar algum influente ideólogo da pós-verdade, outros que não bastava entregar isso a qualquer subalterno cumpridor de ordens. Até que alguém lembrou que ele era escritor.
            Cara, foi constrangedor... um silêncio absoluto tomou conta do museu, ouvia-se mal e mal o ruído da rua, silêncio esse que perdurou mais do que qualquer mente caridosa poderia sequer esperar.
            Ao final, decidiu-se que o melhor seria não entregar o documento a ninguém em especial. Jogá-lo aos ventos era o melhor e o melhor era fazê-lo no simbólico Largo da Batata, pois nada mais conceitual que um lugar com esse nome. Acompanhado, é claro, de intervenções urbanas e performances e pixações. Foram todos em passeata para lá.
            O curador da exposição ainda cruzou com o grupo que saia entoando palavras de odens enquanto chegava à sala, espavorido e acompanhado do guardinha que o fora chamar.
            Sossegou ao ver o seu velho amigo Thio Therezo a quem abraçou efusivamente. O Thio ainda terminou sua conversa com a Yoko (depois, soube que ele tentou explicar um pouco a ela o que se passava ao redor enquanto conversavam, o que causou risos à artista e a ele, Thio, que se prometeram mutuamente um dia fazer uma performance baseada nessa experiência).
            Ao saírem da sala, o curador e o Thio Therezo notaram a falta das pedras na obra que fica bem na entrada, ao que o Thio comentou:
            “Acho que vocês terão que providenciar novas pedras...”
            “... só espero que, dessa vez, sejam pedras mais condizentes com o espírito da instrução...” respondeu, rindo, o curador.
            E saímos os três para um necessário café acompanhado de prosa. 
            Os pregos, aliás, também deverão ser repostos, assim como os potes de tintas...

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