As palavras têm vida e, por conta de cordiais efeitos quânticos, mudam de lugar ao seu bel prazer. Como é belo vê-las
saltitantes frente a novos significados.
Foram
nessas palavras do poeta que o Thio Therezo pensou ao assistir àquela sessão do
Supremão. Fosse num país conturbado como o nosso e tudo poderia parecer
natural, porém anárquico. Mas não, a sessão em questão se deu na República de
Hygina e, lá, surpreende muito a algumas almas mais atentas as constantes e
convenientes releituras de palavras e conceitos.
Diga-se de passagem, nada
melhor qualificado como uma releitura do que a possibilidade de se estender o
significado de uma palavra à amplidão requerida, injetar nelas possibilidades ímpares,
afogá-las em pareceres até que elas confessem significados novos,
contraditórios até. Ninguém quer que uma palavra mantenha o mesmo significado
que tinha à época, digamos, de Mussolini. Preciso é então modernizar o
significado de muitas delas para que se ajustem aos novos tempos.
Por exemplo, a palavra gratuito. Desgastada, em tempos de
gestores acelerados e empreendedores acelerantes, ela deve sim incorporar, em
seu âmago, a possibilidade de cobrança, nem que seja a priori uma cobrança leve
e aparentemente inofensiva. Nada mais natural, nada mais pós-moderno.
O Thio prestou muita atenção
aos pareceres emitidos sobre aquela palavra e sobre a incorporação do
contraditório significado. Em especial, a do douto que disse em alto e bom som:
As
palavras significam aquilo que queremos que signifiquem...
A frase até parecia uma de
um dos livros da Alice e o parecerista em questão, talvez preocupado com sua (inglória)
fama de expropriador de frases alheias, mais do que depressa mencionou que o
referido livro estava citado em um dos inúmeros apêndices da bibliografia de
seu parecer, provavelmente no décimo quinto volume do processo, arquivado como
material sigiloso na quarta gaveta à esquerda do escritório de um de seus fiéis
assessores.
A palavra em questão iria
assumir então, por quase unanimidade dos votos, a possibilidade de incorporar
ao seu singelo e, até aquele momento, preciso significado justamente o seu oposto.
Isso, claro, não foi feito
gratuitamente. Gratuito seria confundir o “e”
com o “ou” em uma miscelânea que,
mesmo juridicamente defensável, se constituiria em uma agressão inominável à
lógica tradicional. Por isso, pensava o Thio, talvez os doutos estivessem se
valendo de uma das lógicas paraconsistentes do Newton da Costa.
Pequena divagação aqui. O
Thio é muito cioso de sua profunda amizade com o Newton e lembra com imenso
carinho das inúmeras conversas que tiveram justamente à época da formulação
conceitual dessas lógicas não tradicionais. O Thio, apesar da insistência em
contrário do renomado lógico, nunca quis que seu nome fosse sequer mencionado
relacionado com esses conceitos: minha
contribuição foi ínfima, insiste o Thio em seu afã de se manter incógnito.
Mas não por isso ele
declinou de pensar na conexão entre essa revolucionária teoria e o que ouvia
naquela histórica sessão. Claro ficou, ao final, que independentemente do tipo
de lógica considerada, não era disso que se tratava.
O poder de dar novos
significados às palavras não tem nada a ver com argumentações lógicas, com
convencimentos, com senso comum. É um simples e mero fato: aquele colegiado decidindo,
cumpra-se! Cumpra-se, mas não sem antes todos, ouvidos e bocas, capas
esvoaçantes, se deleitarem mutuamente por horas e horas.
Não gratuitamente, a palavra
agora se orgulha, saltitante, pelo novo significado inserido a fórceps em suas
entreletras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário