quinta-feira, 13 de julho de 2017

Escolhas múltiplas

            Não é novidade a ninguém que tenha passado por algum tipo de escola nas últimas décadas no Brasil a avaliação por meio de questões de múltiplas escolhas. Também fui vítima delas, sem dúvida fui. Lembro de uma questão quando fiz o tal vestibular para entrar na universidade que só acertei porque lia, e gostava como ainda leio e gosto, o Asterix. Talvez tenha sido essa questão que tenha feito, em última instância, a diferença para poder cursar engenharia na Poli, curso que abandonaria um par de anos depois, provavelmente pelo fato de que Asterix não tinha me preparado o suficiente para ele.
            Em todo caso, eu sempre estranhei essa nomenclatura de “questões de múltiplas escolhas” pois na realidade elas continham apenas uma escolha, a menos que fossem mal formuladas, entre a correta e algumas tantas erradas. Por outro lado, a própria palavra escolha me parecia equivocada, como se pudesse haver alguma possibilidade de se querer escolher alguma alternativa errada. A escolha, se a há, seria entre chutar alguma resposta dentre as mais plausíveis no caso em que não se tivesse certeza de nada. E, no ensino daqueles dias sombrios, o que menos tínhamos era alguma certeza do que fosse.
            Muito respeitadas em uma época em que a ditadura militar dava as cartas do jogo no Brasil, essas questões de múltiplas escolhas sempre me pareceram fruto de um pensamento autoritário em comparação às questões dissertativas, essas sim mais condizentes com um livre pensar e com uma livre manifestação. E aqui, de novo, a palavra escolha traduzia a hipocrisia dos pensamentos autoritários, ainda hoje vigente em nossa sociedade. Mas essa é outra questão.
            Talvez tenha me alongado demais para introduzir o que queria realmente dizer. Chamou-me muita atenção o livro “Múltiplas Escolhas” do chileno Alejandro Zambra. Publicado no Chile em 2014 e agora traduzido ao português, esse livro traz excelentes textos (contos ou minicontos) disfarçados de questões de múltiplas escolhas. Não sem uma cruel coincidência, o autor se baseia em exames nacionais chilenos, similares aos nossos vestibulares, ministrados à época da correspondente ditadura militar e baseados nesse tipo de questões.
            E aqui acabam as macabras semelhanças. Em um jogo lúdico, o autor propõe uma série de questões, cada uma com cinco alternativas mas com a diferença de que não há, e nem poderia haver, um gabarito que, em um mundo ideal, diferenciasse o correto do errado. Em um extremo, há uma questão em que todas as alternativas são iguais e a múltipla escolha se resumirá a um sorriso no canto dos lábios de quem a lê. Mas fora esse caso singular, as escolhas feitas em cada uma dessas questões só indicarão opções, nunca uma escolha dicotômica entre o certo e o errado.
            Dessa forma, o autor subverte, de uma forma bastante inteligente, toda a lógica que estaria por trás de uma questão como essa e, ao mesmo tempo, permite ao leitor fazer suas opções. E, muitas vezes, as opções dirão muito sobre o leitor, ao contrário das questões tradicionais onde a única coisa que se aprende é sobre quem as formulou.
            O leitor, dessa forma, torna-se partícipe do texto, escolhendo, aqui sim, como certas estórias devem ser conduzidas, como são efetivamente seus personagens e como eles devem agir. Mas sim, há limites bem estabelecidos pelo autor, a algo deve servir quem escreve, não? Mas isso não interfere na qualidade do texto e das escolhas, fazendo com que as estórias fluam de forma interessantemente leve e verossímil, em uma crítica, por vezes atroz, ao regime militar chileno.
            Muitos poderão não gostar das opções apresentadas pelo autor, outros, porém, poderão se deliciar com a ironia que permeia todo o livro. A ironia, mais do que uma escolha, é uma fértil opção de quem se permite cultivar a liberdade.

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