Não é
novidade a ninguém que tenha passado por algum tipo de escola nas últimas
décadas no Brasil a avaliação por meio de questões de múltiplas escolhas.
Também fui vítima delas, sem dúvida fui. Lembro de uma questão quando fiz o tal
vestibular para entrar na universidade que só acertei porque lia, e gostava
como ainda leio e gosto, o Asterix. Talvez tenha sido essa questão que tenha
feito, em última instância, a diferença para poder cursar engenharia na Poli,
curso que abandonaria um par de anos depois, provavelmente pelo fato de que
Asterix não tinha me preparado o suficiente para ele.
Em todo
caso, eu sempre estranhei essa nomenclatura de “questões de múltiplas escolhas” pois na realidade elas continham
apenas uma escolha, a menos que fossem mal formuladas, entre a correta e
algumas tantas erradas. Por outro lado, a própria palavra escolha me parecia equivocada, como se pudesse haver alguma
possibilidade de se querer escolher alguma alternativa errada. A escolha, se a
há, seria entre chutar alguma
resposta dentre as mais plausíveis no caso em que não se tivesse certeza de
nada. E, no ensino daqueles dias sombrios, o que menos tínhamos era alguma
certeza do que fosse.
Muito
respeitadas em uma época em que a ditadura militar dava as cartas do jogo no
Brasil, essas questões de múltiplas escolhas sempre me pareceram fruto de um
pensamento autoritário em comparação às questões dissertativas, essas sim mais
condizentes com um livre pensar e com uma livre manifestação. E aqui, de novo,
a palavra escolha traduzia a
hipocrisia dos pensamentos autoritários, ainda hoje vigente em nossa sociedade.
Mas essa é outra questão.
Talvez
tenha me alongado demais para introduzir o que queria realmente dizer.
Chamou-me muita atenção o livro “Múltiplas
Escolhas” do chileno Alejandro Zambra. Publicado no Chile em 2014 e agora
traduzido ao português, esse livro traz excelentes textos (contos ou
minicontos) disfarçados de questões de múltiplas escolhas. Não sem uma cruel coincidência,
o autor se baseia em exames nacionais chilenos, similares aos nossos
vestibulares, ministrados à época da correspondente ditadura militar e baseados
nesse tipo de questões.
E aqui
acabam as macabras semelhanças. Em um jogo lúdico, o autor propõe uma série de
questões, cada uma com cinco alternativas mas com a diferença de que não há, e
nem poderia haver, um gabarito que, em um mundo ideal, diferenciasse o correto
do errado. Em um extremo, há uma questão em que todas as alternativas são iguais
e a múltipla escolha se resumirá a um sorriso no canto dos lábios de quem a lê.
Mas fora esse caso singular, as escolhas feitas em cada uma dessas questões só
indicarão opções, nunca uma escolha dicotômica entre o certo e o errado.
Dessa
forma, o autor subverte, de uma forma bastante inteligente, toda a lógica que
estaria por trás de uma questão como essa e, ao mesmo tempo, permite ao leitor
fazer suas opções. E, muitas vezes, as opções dirão muito sobre o leitor, ao
contrário das questões tradicionais onde a única coisa que se aprende é sobre
quem as formulou.
O
leitor, dessa forma, torna-se partícipe do texto, escolhendo, aqui sim, como
certas estórias devem ser conduzidas, como são efetivamente seus personagens e
como eles devem agir. Mas sim, há limites bem estabelecidos pelo autor, a algo
deve servir quem escreve, não? Mas isso não interfere na qualidade do texto e
das escolhas, fazendo com que as estórias fluam de forma interessantemente leve
e verossímil, em uma crítica, por vezes atroz, ao regime militar chileno.
Muitos
poderão não gostar das opções apresentadas pelo autor, outros, porém, poderão se deliciar com a ironia
que permeia todo o livro. A ironia, mais do que uma escolha, é uma fértil opção
de quem se permite cultivar a liberdade.
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