Sua filha nos viu, sei agora,
convenço-me. Mas como provar que ela não viu só para nos despreocuparmos disto?
Mas quem está preocupado? Você talvez não, você que costuma masturbar o seu
filho pequeno quando ele pede, que dormiu com uma amiga quando seu marido
estava viajando, ele estava sempre viajando ou era apenas impressão minha? E naquele dia o seu vizinho de andar, eu no
caso, sobrou.
Mas com calma, você dormiu
com ela antes ou depois de mim? Ou dormimos os três juntos? Não, isso foi o
sonho, o sonho de tempos depois, ou no princípio de tudo. Mas seguramente a
porta do corredor estava aberta quando eu saí da cozinha escondendo a calça
borrada (estava fechada antes? ouvi alguém abrindo a porta enquanto gozava, ou
foi apenas mais uma de minhas alucinações?).
Estávamos por demais compenetrados em nós mesmos, eu tinha ido só te
visitar, alguma coisa relacionada com tua dissertação de História, que eu
tampouco sei, era desculpa sim, o caos de nossa relação se baseava em desculpas
esfarrapadas. Você me apresentando sua amiga em seu quarto, ela deitada acompanhada
da máquina de escrever (a estória é antiga, ou foi mais um truque de minha
mente). Vocês iam escrever um trabalho para a faculdade, disse-me, mas o olhar da
amiga denunciou que não era nada disso. Quem se importa?
Essa estória da amiga foi
antes ou depois do amor rápido (como sempre com a gente, sempre batemos
recordes absurdos de velocidade), ainda de roupa, na cozinha com seus dois
filhos dormindo por detrás da porta do corredor. Sua amiga já tinha ido? Ou
também dormia no quarto? Ou não foi no mesmo dia? Foi isso, foi bem depois. Ou
bem antes, vai saber.
Ela nos viu? Estou falando
da filha agora. Nunca mais conversamos sobre isto, você nunca me falou, nem
sequer pareceu preocupada. Ou será que conversamos ao menos depois daquele que
talvez tenha sido a nosso mais rápido amor?
Foi quando você se mudou do prédio. Não, fui que me mudei de lá, tempos depois
fui atrás de você e você ainda morava lá.
Foi isso mesmo? Apesar disso, não me lembro mais de termos nos amado depois
daquela vez. Ou, tão rápido que foi que até esquecemos?
Será
que foi quando fui dizer a você que ainda uso a maleta que ganhei de você? Que
ainda a tenho? Ou estou alucinando? Sim, foi você que me deu, inesperadamente.
Sim, foi logo depois daquele dia em que nos cruzamos no elevador e você fez uma
parada rápida no meu apartamento. Nem deu tempo de ir ao quarto, lembra? Foi na
primeira metade da sala mal mobiliada mesmo, no chão, sempre me impressionou a
rapidez que você conseguia gozar, aquele gozo eufórico e alucinante. Gozava como
se mais nada tivesse valor e desaparecia em seguida de minha vida. Foi assim?
Ou sonho? Ou alucino? Ou tento apenas confirmar a teoria daquele matemático?
Você
sempre por cima, lembra? Assim você se safava mais rápido depois do gozo selvagem
mas ligeiro.
Sonhos? Alucinações? Caos?
Ordem? Sei lá, sei lá se você sequer existe. Mas a maleta 007 existe sim, toda
embolorada agora que eu a olho, por que eu nunca a joguei fora? Ela sim me confunde,
o que veio primeiro? Você ou o apartamento? Você ou o olho mágico em que vi a estudante
de História? A mãe da menina que me atropelou, no bom sentido, na cozinha escura?
A maleta ou a amiga? A máquina de escrever ou o elevador? O marido que nunca
aparecia ou os filhos, o que aconteceu primeiro? Os amores rápidos ou isso é só
minha imaginação?
Que
coisa! Eu me lembro agora da cama quebrada, o amor rápido e repentino que fez
desabar a cama, uma das duas que eu já quebrei em minha caótica vida. Ou foram
mais? É engraçado, só perde a graça quando se tem que explicar para a namorada
sobre isto... Mas eu estava sozinho à época de seu empurrão sobre a minha cama
frágil, você trepando em mim, sempre assim, o barulho e as risadas, mas principalmente
a pressa que isso era a constante em nosso relacionamento. Sim, a namorada foi
depois, não precisei explicar nada a ninguém, quer dizer, só precisei fazer da
segunda vez que a cama, outra cama, outro momento, outra pessoa, essa mais
calma, se quebrou em um amor cheio de saudades e foi complicado explicar. Ou
não? Talvez não, talvez ela ainda nem saiba o que aconteceu, depois de tanto
tempo. Melhor assim.
O
caos tem a sua ordem, sabe-se lá.
Aproveito para fazer um merchan... No próximo dia 23 de março, em Belo Horizonte, será lançada a Coleção 32, publicada pela Sangre Editorial. Os livros dessa coleção, todos com 32 páginas, são produzidos artesanalmente e numerados. Fico contente em fazer parte dessa coleção com o meu livro "as nuvens amortecem a queda".
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