Outro
dia mesmo, o Thio Therezo voltou da República de Hygina cheio de notícias e
preocupado.
-
Crianças, já tem gente lá confundindo Notre Dame com Nostradamus... - foi o que
disse ao chegar em casa e logo emendou que tinha fome, afinal só tinha comido
um filé a cavalo vegano no aeroporto (era a sua maneira de dizer que nada
comera...).
Minha
mãe, sua irmã, preparou-lhe então um de seus lanches favoritos. Um sanduíche
especial de múfala com cebolas roxas e veios dourados de meléia, o que lhe dava
aquele sabor agridoce inconfundível e inesquecível.
Duas
mordidas foram suficientes para reestabelecer temporariamente a calma ao ativo
Thio Therezo. A preocupação e a vontade de compartilhar as notícias recentes
restaram, porém, presentes.
Contou-nos
da reestruturação do sistema judicial daquela República. Contou-nos de como
certos procedimentos foram sendo testados nos últimos anos nos ITLs. Para quem
não sabe o que são, como é bem o nosso caso, sobrinhos desatentos que somos,
ITL significa Ínfimo Tribunal Local (na versão mais debochada, os tribunais de
esquina).
Prisões
para averiguação, delações impostas, condenações por convicção foram alguns dos
experimentos conduzidos à luz do dia, para deleite de muitos. Alianças
estratégicas com outros setores da sociedade civil ajudaram para alcançarem o
total êxito da missão encomendada, êxito que eleição alguma teve em tempos
recentes.
Mas
o experimento que mais chamou a atenção dos superiores dos ínfimos foi o que
parecia a princípio ser um mero detalhe: a bem sucedida junção no mesmo
operador jurídico das funções de acusador e de juiz, o que trazia não só
agilidade nos processos como também uma suposta coerência jurídica nos
resultados.
Nada
mais natural, então, que os superiores dos ínfimos, que já vinham assumindo
funções legislativas e policiais naquela distante república, resolvesse
simplificar os seus procedimentos a partir desses experimentos.
O
Thio nessa hora parou a narrativa para lamber a meléia que ficara grudada nos
dedos (quem come aquele sanduíche sem se lambuzar um pouco que seja não sabe o
que está perdendo...).
Como
setores inoportunos da sociedade civil estavam questionando o primeiro
mandamento higienista (“não julgarás os julgadores”), era preciso fazer algo e
rápido, concluíram os superiores dos ínfimos. Nada melhor então que simplificar
ao máximo os procedimentos legais: o denunciante, o investigador, o acusador, o
julgador e o executor da pena devem ser a mesma pessoa para que haja agilidade
e coerência jurídica no processo. Recursos, por exemplo, são avaliados pela
mesma pessoa que proferiu a pena, quem melhor para tal?
E
para quem discordar, há sempre a patrulha higienista para limpar as arestas.
Quanto
ao lanche, o Thio foi presenteado com um novo sanduíche ao final de sua
narrativa, esse bem mais caprichado. Ele merecia, todos merecemos um cafuné
extra nessas horas, nesses tempos tão difíceis...