quinta-feira, 25 de abril de 2019

Querida Clarice,

outro dia mesmo, lembrei-me de ti, foi até engraçado. Eu estava empacotando meus livros (é, Clarice, estou de mudança de novo, é a nossa sina não parar em lugar algum), pois é, eu dizia que estava empacotando tudo e achei o “A hora da estrela” e foi só aí que me dei conta de que já faziam 30 anos. Clarice, 30 anos já se passaram, você acredita ? É claro que parei tudo e o reli, para desespero de minha nova companheira que tinha pressa em se mudar. Mania de pressa essa que eu não entendo, tão bom poder se esquecer da vida de vez em quando... e quase que não conseguia me concentrar na leitura tamanha aporrinhação que foi (desculpe o termo, Clarice, sei que você não gosta, mas você me conhece...). Sabe, Clarice, este exemplar tem história. Foi um presente que dei para a minha primeira namorada, depois esposa, agora ex, e que ex ! Mas sabe o que ela me disse quando abriu o presente e viu seu livro? “Mais um presente que você me dá pensando em você!” disse assim, na lata ! Nem sei se foi por isso que ela nunca o leu, e talvez tenha sido por isso que, na hora da divisão dos bens, ela preferiu ficar com o faqueiro de inox e eu com o livro que eu tinha dado. Saí ganhando, é claro. Mas preciso ir agora, Clarice, estou de mudança de novo, nossa sina. Numa dessas, a gente volta a se cruzar...

Saudades!

São Paulo, dezembro de 2007



[[ Esse conto foi escrito no aniversário de 30 anos do "A hora da estrela" da Clarice Lispector, e lá se vão outros doze anos. Apareceu publicado no meu livro "Contos&Vinténs" de 2012 (Editora AGirafa). ]]


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