quinta-feira, 13 de junho de 2019

iba áles, doze


          - Iba áles a todos.
          O cumprimento do palestrante da noite ecoou no salão cheio. Cheio não era só o salão, cheio, mas de ideias, era também o tal palestrante. Fora ele afinal que defendera a redução dos impostos nos cigarros tentando convencer aos incautos que isso não aumentaria o consumo. É dele também a proposta de que todos deveriam andar armados pois isso, claro, diminuiria a violência.
          - Iba áles - responderam em uníssono, desde os convictos até os ressabiados.
          - Primeiro a gente tira os radares das estradas e ruas - a palestra começava após o imposto silêncio - pois é injusto, totalmente injusto com aquela pessoa de bem que é surpreendida depois de uma curva da estrada por um desses aparelhos malditos e, porisso, vai ter que pagar uma multa. Tiram-se os radares e resolvemos essa injustiça.
          Fez uma pausa, esperando os aplausos pela brilhante ideia. A platéia, porém, não percebeu esse detalhe e continuou em silêncio. O cara da claque tinha faltado naquele dia e todos pareciam meio perdidos em suas reações. Se ainda fosse permitido ligar os celulares em busca de instruções.
          -  Depois será a vez de tirarmos esses tantos alarmes que as casas e lojas têm. Imagina o susto que o sujeito, depois de arrombar a porta dianteira, não tem quando ouve  aquele estridente alarme. Injusto, muito injusto. Imagina se o elemento for cardíaco acima de tudo? Quem se responsabilizaria por sua família se ele tem um treco e morre no exercer de sua função noturna? Além do mais, é preciso respeito com o sono dos outros, ninguém quer acordar no meio da noite com um barulho desses. Alarmes desse tipo serão proibidos sem discussão.
          Um gole d’água antes do próximo projeto.
          - Daí, aproveitamos o ensejo e tiramos todas essas câmeras das ruas. Pra que tantas? Pra que gravar tudo o que acontece nas ruas? Pra que gravar o cidadão de bem treinando tiro ao alvo em um morador de rua? Não que no final das contas fará alguma diferença algum vídeo mostrando esse ato, sabemos todos que armas nas mãos de um cidadão de bem é o perfeito atenuante na justiça nesses novos tempos. Além do mais, quem é que pode garantir que essas imagens foram feitas de boa fé? Mas é constrangedor, não é mesmo? Ver a sua própria imagem saindo de um carro branco e atirando em um morador de rua em pleno Jornal Nacional, quer coisa pior? Ou ver a perseguição à vereadora que seria executada por pais de famílias? Pais de família, caros amigos! Moradores de condomínios de respeito, vizinhos de autoridades. Cidadãos que receberam medalhas por seus feitos. Ninguém precisa disso. Fora com as câmeras das ruas!
          Se alguém achou estranha a lógica do palestrante, não acusou sua estranheza. Tempos de ficar calado, tempos de concordância.
          - E por falar em câmeras, aproveitamos e tiramos todas as dos elevadores. Muito injusto e cruel e traiçoeiro gravar o marido espancando a mulher e, ainda por cima, mostrar isso em rede nacional. Como se diz, em briga de marido e mulher...
          Pausa.
          - Mas, primeiro, a gente tira os radares. Iba áles a todos!

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