- Iba áles a todos.
O cumprimento do palestrante da noite ecoou
no salão cheio. Cheio não era só o salão, cheio, mas de ideias, era também o
tal palestrante. Fora ele afinal que defendera a redução dos impostos nos
cigarros tentando convencer aos incautos que isso não aumentaria o consumo. É dele
também a proposta de que todos deveriam andar armados pois isso, claro,
diminuiria a violência.
- Iba áles - responderam em uníssono,
desde os convictos até os ressabiados.
- Primeiro a gente tira os radares das
estradas e ruas - a palestra começava após o imposto silêncio - pois é injusto,
totalmente injusto com aquela pessoa de bem que é surpreendida depois de uma
curva da estrada por um desses aparelhos malditos e, porisso, vai ter que pagar
uma multa. Tiram-se os radares e resolvemos essa injustiça.
Fez uma pausa, esperando os aplausos
pela brilhante ideia. A platéia, porém, não percebeu esse detalhe e continuou
em silêncio. O cara da claque tinha faltado naquele dia e todos pareciam meio
perdidos em suas reações. Se ainda fosse permitido ligar os celulares em busca
de instruções.
-
Depois será a vez de tirarmos esses tantos alarmes que as casas e lojas
têm. Imagina o susto que o sujeito, depois de arrombar a porta dianteira, não
tem quando ouve aquele estridente
alarme. Injusto, muito injusto. Imagina se o elemento for cardíaco acima de
tudo? Quem se responsabilizaria por sua família se ele tem um treco e morre no
exercer de sua função noturna? Além do mais, é preciso respeito com o sono dos
outros, ninguém quer acordar no meio da noite com um barulho desses. Alarmes
desse tipo serão proibidos sem discussão.
Um gole d’água antes do próximo
projeto.
- Daí, aproveitamos o ensejo e tiramos
todas essas câmeras das ruas. Pra que tantas? Pra que gravar tudo o que
acontece nas ruas? Pra que gravar o cidadão de bem treinando tiro ao alvo em um
morador de rua? Não que no final das contas fará alguma diferença algum vídeo mostrando esse ato, sabemos todos que armas nas mãos de um cidadão de bem é o perfeito
atenuante na justiça nesses novos tempos. Além do mais, quem é que pode
garantir que essas imagens foram feitas de boa fé? Mas é constrangedor, não é
mesmo? Ver a sua própria imagem saindo de um carro branco e atirando em um
morador de rua em pleno Jornal Nacional, quer coisa pior? Ou ver a perseguição
à vereadora que seria executada por pais de famílias? Pais de família, caros
amigos! Moradores de condomínios de respeito, vizinhos de autoridades. Cidadãos
que receberam medalhas por seus feitos. Ninguém precisa disso. Fora com as
câmeras das ruas!
Se alguém achou estranha a lógica do
palestrante, não acusou sua estranheza. Tempos de ficar calado, tempos de
concordância.
- E por falar em câmeras, aproveitamos
e tiramos todas as dos elevadores. Muito injusto e cruel e traiçoeiro gravar o
marido espancando a mulher e, ainda por cima, mostrar isso em rede nacional. Como
se diz, em briga de marido e mulher...
Pausa.
- Mas, primeiro, a gente tira os
radares. Iba áles a todos!
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