Já falei por
aqui de alguns professores do Costa, a escola onde estudei sete anos nos anos
setenta. Mas tem uma professora que me influenciou bastante na escolha do rumo
profissional que seguiria depois.
Éramos
maldosos (os outros, claro, eu não) e ela era conhecida como Meméia não só por
sua aparência física, mas acho que mais por ser professora de matemática (na
realidade eu gostava muito dela). Faz parte do folclore odiar essa matéria,
desqualificar quem sabe algo de matemática acima da média, fingir dificuldades
adicionais. É cool errar contas básicas, faz parte. Sou da tribo que acha que em uma sociedade democrática todos deveriam ter (e se orgulhar de tê-los) conhecimentos (talvez mais do que) básicos de
matemática, e de português e de história e de filosofia e de geografia e de física
e de química e de biologia e de religião entre outras tantas áreas que vão
definindo nossa presença nessa terra supostamente não plana. A chance de ser
enganado, como temos sido atualmente, se reduz muito na presença coletiva desses
conhecimentos básicos.
Desviei-me do
assunto...
Mas o fato é
que aprendi muito com ela, a Dona Esther, principalmente no que diz respeito à
organização do pensamento, no pensamento lógico que, acho, ainda cultivo junto
a outros pensamentos que todos eles me definem.
Tive aula com
ela por, se não me engano, dois anos e meio, e, desculpe-me mais uma vez,
sempre me saía razoavelmente bem nessas aulas. Gostava da maneira como ela
ensinava geometria, com postulados e demonstrações. Era um jogo de raciocínio
para mim, tal e qual jogar xadrez ou montar aqueles quebra-cabeças enormes. Eu
me dava bem com os seus ensinamentos e, por vezes, me recordo da maneira como
ela falava, não era só na matemática que suas palavras ajudavam, como bem
aprendi ao longo da vida. Faz parte da cidadania saber organizar os pensamentos,
poder aprender um pouco do raciocínio abstrato, desmistificar o que parece, à
distância, bem sedimentado.
Olha eu, de
novo, andando em círculos.
Mas, voltando, poderia ter aprendido muito mais com ela do que efetivamente aprendi. Ela tinha um sotaque alemão
e era judia. Pensem na história de vida que não tinha para contar pra gente,
não dá para não imaginar que ela não tenha sido uma das fugitivas da segunda
guerra mundial e que veio parar nesse nosso mundo. Ou estou apenas exercendo o
meu direito à livre imaginação poética? Mas éramos crianças e estávamos na
ditadura. Histórias não eram assim permitidas. História do Brasil, quando
muito, incluía até a velha república e seu foco era sempre militarista. E de
história geral, lembro da Dona Mirtes que estava mais interessada nas “fofocas”
envolvendo os reis e rainhas da França do que ensinar o que estaria por trás
delas.
Mitos e
fofocas, até parece que voltamos no tempo... até parece que nada mudou. Um
passo à frente, dois para trás.
Em matemática,
eu sempre passava de ano sem precisar do exame final. Teve um ano, com a Dona
Esther, que eu fui o único da sala a não precisar de exame, mas em compensação
fui um dos únicos a fazer o de Geografia, tinha dificuldades em decorar os
nomes daqueles rios todos. Impressão minha ou o ensino de humanas, naqueles
anos de ditadura, evitava o que realmente interessava e se restringia a
decorebas? Tivemos até aula de Filosofia, mas restringida a coisas do tipo
“todo filósofo é um ser humano, Aristóteles é um filósofo, logo Aristóteles é
um ser humano”. Não que essa lógica não fosse necessária (ainda hoje, tem gente
que sofre com implicações simples como essa), mas para onde tinham ido as
ideias dos grandes filósofos? Ou as grandes obras literárias, onde estavam? Queria tanto ter aprendido então outras coisas
que não a famigerada Educação Moral e Cívica.
E, antes de me
arriscar na literatura, virei matemático. Não sem antes passar por um estágio
na engenharia, mas essa é uma outra estória. Só menciono que no exame da FUVEST
de 1978 a minha nota de redação foi maior da que a de matemática (não, não
gabaritei em matemática), o que ainda surpreende alguns familiares...
E assim sigo,
professor, matemático e escritor, ou ao menos gosto de pensar que sou um pouco
de cada um deles.
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