quinta-feira, 20 de junho de 2019

Janela


Por uma fresta estreita, 
um olhar atento espreita
          o beijo mal dado,
          o amasso apressado,
          o beijo roubado,
o beijo não retribuído,
 a mijada no canto,
          o andar pensativo,
          o andar rancoroso,
          a menina desconfiada,
          a menina atenta,
          a menina sonhadora,
          o carteiro andarilho,
          o casal evangélico,
          o bêbado, o vômito,
          o pião na mão do menino,
          o iPod na mão da menina,
          o tombo do skatista,
          o choro do bebê,
          a conversa das babás,
          o cachorro latindo,
          o aniversário da Nini,
          a irmã gordinha da Nini,
          a calça um tanto quanto apertada do namorado da irmã da Nini,
          a conversa no celular,
          o motoboy,
          o amasso repetido,
          o beijo inconsistente,
          o velho recolhendo o cocô do cachorro,
          a velha resmungando,
          a velha voltando da feira,
          o caminhão do lixo,
          o falar dos lixeiros,
          o choro compulsivo de quem já se perdeu,
amores furtivos,
ledas referências,
mulheres tristes
e cachorros abandonados,
meros enganos,
contos que reconto afinal
          e a vida segue...
          no espreitar sereno
de um olhar atento por trás do
estreito da fresta da janela.




[[Esse conto, escrito em 2011, apareceu em meu livro "Contos&Vinténs" publicado pela Editora A Girafa (2012).]]

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