quinta-feira, 12 de setembro de 2019

outros tantos

Caros amigos, vou lançar meu novo livro de contos ("outros tantos", Editora PENALUX) no próximo dia 14 de setembro, das 16 às 19 horas, na Livraria da Vila, Rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, São Paulo. Ficarei muito contente com a presença de vocês.


O livro pode também ser adquirido no site da Editora Penalux. Compre Aqui

Para atiçar a curiosidade, transcrevo aqui dois textos sobre "outros tantos". O primeiro é da escritora Isabela Noronha que muito gentilmente escreveu essa orelha para o livro e o segundo é parte de uma resenha escrita pelo escritor e crítico literário Krishnamurti Góes dos Anjos (a resenha completa pode ser encontrada aqui).




Leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade, consistência: são esses os grandes valores literários, aqueles que merecem ser preservados, definiu Italo Calvino, um dos maiores escritores italianos. Não a toa, cada um deles dá titulo às seções deste livro. Os contos de Flavio Ulhoa Coelho são um mergulho nessas virtudes. Começamos com a leveza despojamento e sutileza, tanto de linguagem quanto de estrutura e não estamos mais abandonados. É na companhia dela que viajamos dentro do bonde 53 não para um lugar, mas para outro tempo um em que cabem desejo, café recém-passado e pão quentinho. Passamos por olhares flutuantes, sofremos, nos reencontramos nos olhares futurantes e somos lembrados de que, encontro ou desencontro, só o final, essa mínima parte, muda. É também uma celebração da leveza o humor de Negro y Blanco em que tudo está posto, porém ainda assim o mistério persiste um convite à imaginação do leitor, convite esse que perpassa todo o livro. Está no absurdo do homem que carrega uma maleta cheia de dedos em uma missão secretaem O carregador de dedos, na saudade rubra e triste de Natal, vermelho, na mudança de ponto de vista em Adocão, na dolorida homenagem ao pai em Nove de Julho. É contando com um leitor ativo, inteligente, que essas histórias se realizam. E, mais que oferecerem respostas, se abrem em um diálogo com a reflexão de Calvino: "Quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser completamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis."

Isabela Noronha, escritora e professora da pós-graduação Formação de
Escritores do Instituto Vera Cruz, em São Paulo


A publicação de “outros tantos” do escritor Flávio Ulhoa Coelho, reúne 32 contos (alguns com estrutura de crônica), agrupados em 6 partes sob os títulos que foram tão caros à Italo Calvino:  Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade, Multiplicidade e Consistência. E o que o leitor encontra é em evidente exemplo de criatividade. Parece-nos que tal divisão é meramente esquemática, intuitiva, sem ligações rígidas com o pensamento de Calvino, diríamos mesmo que constituem um flexível exercício em torno daquelas ideias do escritor italiano, que são atualizadas e, em certo sentido, aprofundadas.
Em alguns textos observamos a nítida opção pelo fragmentário de vidas ou situações que se entrelaçam, em circunstâncias existenciais complexas de que o olhar eventual de um observador não daria conta. O olhar do ficcionista recolhe “traços” e apresenta reflexões que não possuem a intenção de organizar, mostrando que a composição do real se revela no fragmento. Ver: “E nós quem somos?”, “negro y blanco”, e “A árvore darwiniana”.  Há contos onde a imaginação atua como alavanca de procedimentos lógicos. E entra em cena uma dialética entre imaginação e realidade, com resultados realmente surpreendentes como acontece no excepcional, ”Ela, a ideia”, uma verdadeira aula de como o escritor lida com sua imaginação criadora.
Há ainda no autor dessa obra, uma faceta muito interessante. A partir de um enredo básico de um conto, ele escreve outro com uma abertura para: “e se fosse diferente o curso daquela história?”. A possibilidade vem em outro texto, e de uma forma muito sutil, não diretamente implícita, um mero detalhe muda a trajetória de vidas. Os exemplos mais evidentes são “Olhares flutuantes” e “Olhares futurantes” de um lado, e mantendo essa característica de variação de desfecho, mas aprofundando sentidos, temos “Os momentos mais eternos” e “Conto de natal”. Como são textos muito bem trabalhados no nível da construção ficcional, perduram na memória do leitor e, quando este lê o outro texto, percebe claramente que emergem detalhes e circunstancias já ventiladas, mas com uma iluminação mais intensa. Habilidade típica do contista que domina plenamente a sua ficção em toda e qualquer direção que entenda dar-lhe.
Em outras narrativas encontramos profundas reflexões sobre a monstruosa realidade social brasileira como acontece em “O carregador de dedos” e “Um par de tiros”. Profundas reflexões porque, mais importante do que a mera reprodução de situações, o autor põe o dedo na ferida exposta. Na ferida aberta da corrupção sistêmica que assola o país, que muitos adotam e até defendem, como lemos no primeiro conto, ou o porque de nossa juventude negra e pobre (via de regra), estar sendo sistematicamente exterminada por aqueles que representam o Estado, ou deveriam representar. E não somente a triste realidade atual, o autor visita o tempo um pouco mais recuado. Veja-se o conto “A rua”, pungente relato sobre a vida de uma mulher corajosa e engajada politicamente, que é assassinada durante o escrotíssimo (desculpem mas não encontro outra palavra), regime de exceção que tivemos no Brasil durante vinte e tantos anos, e que todo mundo sabe muito bem qual foi.  Contos assim, nos levam a reconhecer, com pesar, com muita dor, que o Estado brasileiro foi mesmo forjado na violência e na exclusão, e continua desgraçadamente nesse triste percurso.
Não poderíamos deixar de mencionar finalmente, o doce lirismo que exala em textos como  “Bonde 53”, “mãos dadas no parque”, “guardanapo”, “achados e perdidos”, “morto no corpo” e “por ora”. Esses textos, todos, com suas características e circunstancias peculiares claro, nos fazem lembrar das coisas boas da vida, sim, por incrível que possa parecer, a vida os tem. E então somos capturados inapelavelmente por sensações e sentimentos bons quando lemos textos que excitam a memória de tempos idos, ou  a maravilha que é estar apaixonado, ou ainda a delícia e a dor da entrega impensada. Quem não lembra dos vestígios daquele amor que poderia ter sido e não foi? Que bem nos faz constatar a transitoriedade de nossas dores de amor que refluem com o tempo para o mais completo esquecimento? Que dizer então, da doçura que é sentir-se amado?
E, paralelamente ao que já referimos e, dentro da diversidade dos temas e formas trabalhados, que dão um sabor todo especial ao livro, salta aos olhos a elegância e a qualidade literária da prosa. Sem sombra de dúvida podemos afirmar que “outros tantos” do escritor e professor Flávio Ulhoa Coelho consegue abrir espaços de interrogação, de meditação e de exame crítico Em suma, enseja a proveitosa relação com nós mesmos, com o nosso mundo interior através do mundo que o livro nos abre.

Krishnamurti Góes dos Anjos, escritor e crítico literário.

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