quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

iba áles, dezesseis


          - iba áles a todos nessa noite magnífica...
          - iba áles – respondeu em uníssono a plateia desentusiasmada.
          - para a nossa palestra semanal, tenho o prazer hoje de anunciar o nosso querido Dr. Duplais, eminente acadêmico e autor do premiadíssimo “O reverso da bala”. PhD por uma prestigiada universidade americana, ele recentemente ganhou o prêmio PsiHum que é considerado por muitos como o Nobel em sua área de pesquisa. Atualmente ele vive na República de Hygina onde suas ideias têm servido como base principal de vitoriosas políticas públicas. Sem mais delongas, quero que recebam com calorosas palmas, o Dr. Duplais!
[calorosas palmas, ninguém é bobo por aqui...]
          - iba áles a todos os presentes e obrigado por suas amáveis palavras.
[mais palmas, essas menos calorosas, faltou ensaiar melhor essa parte]
          - como começar? sei que a violência é um assunto de interesse de todos e, por isso, vou começar com a tal da excludente de ilicitude que, para muitos, é um termo polêmico. pela expressão, até parece que não haverá punição para certos crimes ou, de acordo com certos extremistas que precisam ser alijados de nossa sociedade, haveria até uma tal permissão para matar como se vivêssemos na década de sessenta e fôssemos um tal de 007... quem vive no passado é justamente essa oposição desorientada mas perigosa. pois bem, vamos imaginar uma cena corriqueira de nossa sociedade: uma bala perdida atinge em cheio um marginal ou mesmo alguém, uma criança que seja, a quem irão depois, em uma total inversão de valores, imputar inocência... abro um parêntesis aqui. nosso grande líder já disse que não existem inocentes vagando impunes por esses locais onde agem as balas perdidas, e isso é fato comprovado, basta perguntar a qualquer amigo seu de twitter! pois bem, a bala perdida acerta o elemento e ele morre. morreu, o que fazer? é definitivo, esse elemento agora irá responder por suas ações, e seguramente há culpas a serem respondidas, com Deus, isso é lá entre os dois... já não cabe mais à sociedade se meter em algo que é agora privado.
          [pausa para o palestrante beber um copo da água patrocinadora do evento]
          - ... mas, pensem bem, e como estará o autor do disparo da bala perdida? acham que ele estará bem? que ilusão, estará um frangalho, eu diria, totalmente arrasado, destruído emocionalmente, alguém previsivelmente acometido de medo, surpreso e frente a uma violenta emoção. sim, amigos, assim estará o autor do disparo da bala perdida, há estudos detalhados sobre isso... e, cá para nós, qual punição maior do que isso? é exatamente isso que chamei de bala reversa em meu estudo, pois ele pode ter disparado a bala perdida, assumamos que assim foi, mas quem é de fato atingido por ela, metaforicamente falando, é ele mesmo, o dito sobrevivente mas que será cruxificado impiedosamente pela opinião pública e por essas ONGs financiadas por atores estrangeiros desocupados. a bala reversa o atingirá inevitavelmente e é preciso levar isso em consideração, o autor do disparo da bala perdida é a verdadeira vítima dessa história.
            [mais uma pausa para que a plateia, em transe, se convença do argumento usado. o palestrante olha demoradamente os vários setores da audiência agora muda]
            - por isso, excludente de ilicitude, mas como, se não há ilicitude? e se alguém disser que poderia haver, só o sofrimento do autor do disparo, a real vítima dessa ação, naquele momento se configuraria uma punição. mas não há ilicitude e, portanto, ela deve ser excluída, esse é o espírito da lei, a definitiva exclusão da responsabilidade por uma inexistente ilicitude, nada mais claro que isso. pessoalmente, acho até que isso dá margem a uma longa discussão e releituras por parte de nossos supremos magistrados. para mim, não se pode excluir algo que não existe, como excluir uma ilicitude que não existe? mas entendo as precauções jurídicas envolvidas, direito não é uma ciência exata, e melhor que isso esteja escrito de forma inequívoca.
            [mais uma pausa, outro gole na água.]
            - pois bem, amigos, não vou cansá-los com tecnicalidades e estudos nessa linda noite. agradeço a presença de todos... e iba áles!
            [palmas esfuziantes e o apresentador retorna, abraça o palestrante, trocam sorrisos...]
            - iba áles, Dr. Duplais! quem quiser comprar o livro A bala reversa, e tenho a certeza de que todos vão querer uma cópia autografada, a obra está à venda em nossa lojinha à entrada do auditório. e hoje, com uma promoção: 20% do preço do livro podem ser pagos usando parte do dízimo mensal devido por cada um.
            [manifestações de prazer e entusiasmo]
            - só me resta agradecer novamente o novo ilustre convidado e desejar a todos um grandissíssimo iba áles...

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