Homem não
chora, ao menos não deveria, dizia o seu avô. Pensava nisto no momento em que
atravessava aquela porta do asilo. Ele sabia muito bem o que esperar desta
visita. Ver o avô, revê-lo, tentar inutilmente trazê-lo de volta ao seu
convívio, tanta coisa aprendera com ele, o drible seco, a velocidade no
arranque, a antecipação rápida do lance, o arremate. Nada de firulas, direto,
seco, sucinto, como um bilhete de despedida.
Mas, tudo isto, era passado, passado
que queria de volta, um instante que fosse, para poder dividir com o avô aquele
jogo do último final de semana, será que o avô o assistira ? O seu jogo, o que
importava... Queria discutir com ele o resultado, sentir o carinho de avô pelo
menino de 9 anos, o menino que já não era mais. Sua constante admiração, seu
inevitável incentivo. A porta se fechou atrás de si, aquela grande sala onde o
deixaram esperando por seu avô. Um silêncio e só.
Não são todos que sabem o quão é
escuro um túnel de vestiário em dia de decisão mas o avô, sim, iria entendê-lo,
os dois dividindo as mesmas experiências. Sim, aquilo pesa, esmaga. Fica-se na
boca do túnel séculos à espera, ouve-se perfeitamente a torcida, a gritaria. A
gente quer entrar no campo a qualquer custo, começar logo o jogo, só se sossega
com a bola rolando. Mas entre o túnel e o jogo há incontáveis segundos e o
aquecimento final e a moedinha e, principalmente, a espera, a injusta e
inacabável espera de séculos.
E o jogo começa e tudo parece mais
frenético, nem se pensa direito nestas horas... bola pro mato, cara ! Mas tem um instante, sempre tem, entre o chuá
da bola na rede e o grito da torcida, um instante... até parece que não existe
nada e, dizem, não existe mesmo; um instante em que tudo muda em sua vida, a
linha tênue separando o sucesso e o fracasso, ou vice-versa ou tanto faz. Lá
vinha ele, agora, passo arrastado, final do corredor, olhar distante, seu avô.
Tentariam conversar, não conseguiriam,
ele iria tentar contar ao avô sobre a final do campeonato, dividir suas
emoções, mas iria também se exasperar com o seu distanciamento, parecia até que
nem o reconhecia, seu avô falaria de várias coisas, do passado, de seu agora
isolado mundo de lembranças, da final que participara, de como era difícil
esperar pelo começo do jogo... Homem não chora, ele iria repetir vezes e vezes,
sem esconder a emoção sublimada. Ao menos, não deveria.
A bola no meio do campo para o
recomeço, heróis e bandidos, juizes ladrões e bandeirinhas incompetentes. Todo
o nosso imenso imaginário coletivo fazia parte de suas conversas com o avô,
hoje restou o monólogo. Curto, seco, sucinto.
E o silêncio da torcida, aquele
mutismo frente ao gol do adversário, o grito inibido e constrangido do locutor
local. Não há nada pior para se encarar do que o gol contra em uma final de
campeonato. Nem mesmo chorar. De alegria ou tristeza que seja.
Não esperou mais, não poderia. A porta
se fechou atrás de si, frente ao olhar incrédulo do avô. Desta vez,
definitivamente.
[[ Esse conto apareceu publicado no meu livro "Gambiarra e outros paliativos emocionais", editado pela Arte PauBrasil em 2007]]
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