Se há algo
que sobra nesses tempos de quarentena são as lembranças. Não importa o quanto
de trabalho ou de preocupações que se tenha nesses malucos dias atuais, nossa
mente sempre acha um escape para lembrarmos de coisas que nos marcaram no
passado. No meu caso, uma parte significativa dessas memórias tem a ver com
lembranças culinárias, de receitas que minha mãe fazia, memórias olfativas,
paladares e visuais.
Ingenuamente, eu agora tento
repetir aquelas tantas receitas que se grudaram em minha mente. Descubro que, por
mais que me dedique, elas nada mais serão que meras tentativas, visto que nunca
irei conseguir reproduzir totalmente seus sabores e os seus cheiros, e tampouco
aquele carinho que mamãe sempre teve ao fazê-las. E isso, faz toda a diferença.
Mas eu me
esforço!
Outro dia eu
me lembrei de uma máquina de moer que mamãe usava tanto para fazer uma rústica paçoca
de carne quanto para uma deliciosa rapadurinha de amendoim, duas
receitas que não negavam a sua origem do interior paulista. Ela tinha nascido
em Itu e vivera em uma fazenda quando criança.
É claro que essas
lembranças me atazanaram a mente até que eu me rendesse à vontade de fazê-las. Vamos
lá. Para a paçoca de carne, digamos que precisaremos de meio quilo de carne que
pode ser colchão mole ou lagarto, cortado em tirinhas (não precisam ser muito
finas pois elas vão depois ao moedor de carne). Aí você frita essa carne em um
pouco de óleo com uma cebola cortada em tiras (novamente, não precisam ser
pedaços muito pequenos), salsinha, cebolinha, sal e pimenta a gosto. Minha mãe
usava esses temperos, cozinha rústica é assim, mas acho que dá pra gourmetizar
um pouquinho, se quiser, colocando outras ervas ou fritar em azeite ao invés de
óleo.
Não me lembro de minha mãe
colocar bacon nessa mistura, mas uma de minhas tias faz dessa forma. A gosto do
cliente. Uma vez frita a carne, misture-a com flocos de farinha de trigo e aqui
é que são elas, vai meio no olho, o suficiente para que a mistura resultante não
seja só carne mas também não pode ser só a farinha. O famoso um bom bocado
de flocos de farinha de milho. Precisão aqui é tudo... rsrsrs. Se precisar,
coloque mais óleo na panela e deixe fritar tudo um pouco mais antes de
passarmos à última etapa.
Com essa
mistura já frita e já um pouco esfriada, passe inicialmente a carne com cebola
em um moedor de carne manual. Claro que os modernos podem usar um
processador/moedor elétrico, mas qual a graça? O melhor é aquele manual (e de
ferro, não o de alumínio) que a gente encaixa no granito da pia e move a
manivela, coisa de fazenda. Na primeira moída vai só a carne com a cebola. Se
quiser mais moído, pode passar tudo isso uma segunda ou mesmo uma terceira vez.
Em uma última passada pela máquina, coloque a carne já moída junto com tudo o
que ainda sobrou na panela, incluída aí a farinha de milho frita. Pronto, a
paçoca está pronta!
Não esquente (nem a cabeça,
nem a mistura), coma-a morna com arroz e feijão ou com uma couvezinha picada e
refogada na manteiga ou mesmo com uma banana. Comida de Bandeirantes, como se
dizia lá em casa. Eu particularmente comia a paçoca solo, sem acompanhamento.
E, depois de
lavar a máquina de moer carne, pode usá-la para fazer uma outra receita, essa
doce. Mas quem tem diabetes ou tendência de engordar está aconselhado a parar a
leitura por aqui.
Vamos lá.
Ponha um litro de leite (o integral é melhor, ou tipo A para os antigos, o
ideal) para ferver e assim que a espuma começar a subir, abaixe o fogo e junte
um quilo de açúcar (eu avisei... é um doce para os formigões...). Deixe cozinhar
bem até ser possível se ver o fundo da panela depois de uma passada rápida de
colher. Esse ponto você vai aperfeiçoando com o tempo, no caso, claro, de você
ter coragem de encarar outras vezes essa maravilha da culinária extremamente
doce.
Nesse momento, você já terá um
pacote de meio quilo de amendoim torrado no forno e passado um par de vezes
pela máquina de moer (a mesma que você usou para a paçoca de carne, mas depois
de lavada). Pode moer o amendoim com casca e tudo que isso irá dar uma
coloração mais rústica ao doce, mas se tiver paciência de descascá-lo, não
serei eu a impedir. Junte esse amendoim moído ao leite açucarado, deixe
cozinhar mais um pouco e, ainda quente, espalhe sobre um mármore untado com
manteiga. Deixe esfriar e corte em pequenos losangos. Era a minha sobremesa
predileta quando criança e mamãe sabia disso. Há a variação sem amendoim (puro
açúcar!) e a com chocolate que eu nem gostava tanto assim.
Esse, definitivamente,
não é um doce para amadores, é para os profissionais...
Quando a quarentena começou, tive a estúpida pretensão de tentar não engordar e não é que estou conseguindo me manter no meu peso meio gordinho? Sei que isso poderá não durar muito pois, semana que vem, rapadurinha de amendoim a caminho... Relembrar é o que nos sobra nesses tempos bicudos.
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