quinta-feira, 16 de julho de 2020

Máquina de moer

         Se há algo que sobra nesses tempos de quarentena são as lembranças. Não importa o quanto de trabalho ou de preocupações que se tenha nesses malucos dias atuais, nossa mente sempre acha um escape para lembrarmos de coisas que nos marcaram no passado. No meu caso, uma parte significativa dessas memórias tem a ver com lembranças culinárias, de receitas que minha mãe fazia, memórias olfativas, paladares e visuais.

Ingenuamente, eu agora tento repetir aquelas tantas receitas que se grudaram em minha mente. Descubro que, por mais que me dedique, elas nada mais serão que meras tentativas, visto que nunca irei conseguir reproduzir totalmente seus sabores e os seus cheiros, e tampouco aquele carinho que mamãe sempre teve ao fazê-las. E isso, faz toda a diferença.

          Mas eu me esforço!

          Outro dia eu me lembrei de uma máquina de moer que mamãe usava tanto para fazer uma rústica paçoca de carne quanto para uma deliciosa rapadurinha de amendoim, duas receitas que não negavam a sua origem do interior paulista. Ela tinha nascido em Itu e vivera em uma fazenda quando criança.

          É claro que essas lembranças me atazanaram a mente até que eu me rendesse à vontade de fazê-las. Vamos lá. Para a paçoca de carne, digamos que precisaremos de meio quilo de carne que pode ser colchão mole ou lagarto, cortado em tirinhas (não precisam ser muito finas pois elas vão depois ao moedor de carne). Aí você frita essa carne em um pouco de óleo com uma cebola cortada em tiras (novamente, não precisam ser pedaços muito pequenos), salsinha, cebolinha, sal e pimenta a gosto. Minha mãe usava esses temperos, cozinha rústica é assim, mas acho que dá pra gourmetizar um pouquinho, se quiser, colocando outras ervas ou fritar em azeite ao invés de óleo.

Não me lembro de minha mãe colocar bacon nessa mistura, mas uma de minhas tias faz dessa forma. A gosto do cliente. Uma vez frita a carne, misture-a com flocos de farinha de trigo e aqui é que são elas, vai meio no olho, o suficiente para que a mistura resultante não seja só carne mas também não pode ser só a farinha. O famoso um bom bocado de flocos de farinha de milho. Precisão aqui é tudo... rsrsrs. Se precisar, coloque mais óleo na panela e deixe fritar tudo um pouco mais antes de passarmos à última etapa.

          Com essa mistura já frita e já um pouco esfriada, passe inicialmente a carne com cebola em um moedor de carne manual. Claro que os modernos podem usar um processador/moedor elétrico, mas qual a graça? O melhor é aquele manual (e de ferro, não o de alumínio) que a gente encaixa no granito da pia e move a manivela, coisa de fazenda. Na primeira moída vai só a carne com a cebola. Se quiser mais moído, pode passar tudo isso uma segunda ou mesmo uma terceira vez. Em uma última passada pela máquina, coloque a carne já moída junto com tudo o que ainda sobrou na panela, incluída aí a farinha de milho frita. Pronto, a paçoca está pronta!

Não esquente (nem a cabeça, nem a mistura), coma-a morna com arroz e feijão ou com uma couvezinha picada e refogada na manteiga ou mesmo com uma banana. Comida de Bandeirantes, como se dizia lá em casa. Eu particularmente comia a paçoca solo, sem acompanhamento.

          E, depois de lavar a máquina de moer carne, pode usá-la para fazer uma outra receita, essa doce. Mas quem tem diabetes ou tendência de engordar está aconselhado a parar a leitura por aqui.

          Vamos lá. Ponha um litro de leite (o integral é melhor, ou tipo A para os antigos, o ideal) para ferver e assim que a espuma começar a subir, abaixe o fogo e junte um quilo de açúcar (eu avisei... é um doce para os formigões...). Deixe cozinhar bem até ser possível se ver o fundo da panela depois de uma passada rápida de colher. Esse ponto você vai aperfeiçoando com o tempo, no caso, claro, de você ter coragem de encarar outras vezes essa maravilha da culinária extremamente doce.

Nesse momento, você já terá um pacote de meio quilo de amendoim torrado no forno e passado um par de vezes pela máquina de moer (a mesma que você usou para a paçoca de carne, mas depois de lavada). Pode moer o amendoim com casca e tudo que isso irá dar uma coloração mais rústica ao doce, mas se tiver paciência de descascá-lo, não serei eu a impedir. Junte esse amendoim moído ao leite açucarado, deixe cozinhar mais um pouco e, ainda quente, espalhe sobre um mármore untado com manteiga. Deixe esfriar e corte em pequenos losangos. Era a minha sobremesa predileta quando criança e mamãe sabia disso. Há a variação sem amendoim (puro açúcar!) e a com chocolate que eu nem gostava tanto assim.

          Esse, definitivamente, não é um doce para amadores, é para os profissionais...

          Quando a quarentena começou, tive a estúpida pretensão de tentar não engordar e não é que estou conseguindo me manter no meu peso meio gordinho? Sei que isso poderá não durar muito pois, semana que vem, rapadurinha de amendoim a caminho... Relembrar é o que nos sobra nesses tempos bicudos.       


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