eles
se cruzavam no corredor, final da tarde.
na
terça, se beijaram.
na
quinta, novo enrosco.
barulho,
ela se assustou.
escuro
de uma sala, ruído.
na
sexta, ainda assustada, ela sugeriu um drive-in.
ele
sugeriu um motel, mais confortável.
ela
disse que ainda não,
ainda
não queria fazer amor com ele.
ok,
prometeu.
foram
ao motel, ele respeitou, cumpriu.
se
enroscaram, se acarinharam.
conversa
furtiva.
ela
seguiu ao banheiro, a porta translúcida.
ele
a viu, fixou o olhar.
ela
fingiu não perceber.
ela
ainda de vestido, sapatos jogados ao canto.
ele
ainda vestido, sapatos jogados ao canto.
viu
a sombra dela se despir, no translúcido,
ligar
o chuveiro,
quase
que sentiu a água em seu corpo.
ele
entendeu.
despiu-se,
entrou no chuveiro.
ele
a viu se banhar, corpo tão jovem.
ela
não abaixou o seu olhar, mas sorriu.
o
olhar só olhou seus olhos, mas só daquela vez.
viriam
outras, mais confiantes.
amaram-se.
e
muitas outras noites mais.
dia,
soube sua opinião dele: “um cafa, você é!”
que
fizera amor com ele por curiosidade.
“mas
gostou?” ele perguntou.
“se
não tivesse, nunca mais”, a resposta.
frequentemente
discutiam, brigavam.
após
mágoas mútuas, “tudo acabado”, ela dizia.
nunca
mais vê-lo, nada mais ter com ele.
rogava
pragas e completava:
“não
se preocupe, as nuvens amortecem a queda...”
tão
frequente quanto, voltavam a se entender.
reconciliação,
amavam-se.
“foi
curiosidade ou vontade?” ele perguntou.
resgatar
o começo, resgatar o vivido.
imensa
expectativa de não perdê-la.
curiosidade
ou vontade?
“curiosidade...
já te falei...”
“...
falou...”
“...
mas depois vontade, muita vontade...”
trocavam
então sorrisos
e
toques
e
carícias
e
gozos.
frequentemente
brigavam...
não
se preocupe, as nuvens amortecem a queda...
amor,
amavam-se.
a
ele, ela parecia bem ao seu lado.
olhar,
toque, carícias e gozos, tudo indicava isso.
“curiosidade
ou vontade?”
“curiosidade,
você sabe...”
“...
eu sei...”
silêncio
incômodo, dessa vez nada mais que silêncio.
briga,
mágoas, as nuvens,
a
expectativa, o amor.
“curiosidade
ou vontade?”
“curiosidade...
você sabe...”
“sei...”
“...
e vingança...”
o
complemento veio rápido demais.
“vingança?
como assim?”
“é,
vingança... vingança... dela...”
“como
assim, vingança? ela? quem?”
“...
você sabe... ela...”
brigaram,
algo mal resolvido.
ela
se disse vingada, ele ficava confuso.
não
se preocupe, as nuvens...
o
incômodo durou, mas passou.
ela
se reafirmou vingada, ele acreditou.
não
faria sentido o contrário.
“curiosidade
ou ...?”
“curiosidade...
vingança... e...”
ela
não lhe permitiu o final da frase.
“...
só isso?”
silêncio
absurdo, ele percebeu, se retraiu.
ela
era assim, manipulava.
“as
nuvens amortecem, não se preocupe!”
uma
cama especial e inesperada.
um
vinho antes, um colo, uma noite e a expectativa.
“curiosidade?”
“é...”
“só?”
silêncio.
“só?”
ele insistiu.
“...
não, tem mais...”
“mais
o que? vingança?”
“...
não, vamos mudar de assunto...”
dessa
vez, ela o esnobou por mais tempo...
quase
que não havia nuvens, queda livre com certeza.
tempo
sem se verem.
por
fim, ela o procurou,
já
tinha se aborrecido demais por aí.
queria
testar fazer amor com ele,
ver
o que ainda sentia.
ele,
surpreso,
ele,
ansioso,
ele,
muita vontade.
amaram-se.
gosto
amargo em sua boca, dele.
“curiosidade?”
silêncio.
“me
fala? o que foi?”
mais
silêncio.
“me
diz?”
“digo...
medo!”
“medo?
como assim?”
“medo...
medo... você nunca sentiu?”
“sei
o que é medo, mas medo do que? me diz...”
silêncio,
confusão.
“me
diz, por favor...”
“medo
de você...” ela sem pena,
aos
olhos úmidos dele.
“de
mim? como assim? você teve medo de mim?”
silêncio,
espanto, agonia.
“...
medo... medo... não entendo...”
“medo
de você me bater!”
“eu?
te bater? de onde tirou isso?”
“...
medo de você me prejudicar...”
“ãh?
eu? prejudicar? parece que não me conhece...”
silêncio.
o
excesso de nuvens talvez até ajude,
talvez
amorteça a queda...
“curiosidade?”
“medo,
já disse, tive medo...”
“e
ainda sente?”
silêncio.
“...
e ainda sente?”
lágrima
escorrendo por seu rosto.
olhar
firme o dela, lábios confiantes.
silêncio,
e mais silêncio. e mais silêncio...
ela
o esnobou pela última vez.
quer
saber?
a
última decepção que sobrou,
as
nuvens não amortecem a queda.
[[Em 2019, além de ter publicado "outros tantos" pela PENALUX, também publiquei um pequeno livreto chamado "as nuvens amortecem a queda" pela Sangre Editorial dentro da coleção 32. Feita artesanalmente em Buenos Aires e com 32 folhas apenas, esse livreto é bem especial, ainda mais que contém alguns contos que me agradam muito. A partir dessa semana, vou publicar aqui o seu conteúdo: cinco contos (ou assim eu os vejo) e seis aldravias (que publicarei todas juntas ao final). Espero que gostem.]]
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