Se há um conselho de autoajuda que o Thio Therezo não suporta ouvir é o tal do “sair de sua zona de conforto”. E todos em casa sabem disso, principalmente o meu pai, seu cunhado, que tanto se empenha em deixa-lo irritado.
- Mas Thio,
você tem que sair de sua zona de conforto – o meu pai disparou inesperadamente logo
após um, até então, calmo almoço de domingo. Antes da provocadora fala, a
conversa tinha girado em torno de fatos amenos, o avanço da extrema direita mundial,
questões de ordem pandêmicas e o campeonato brasileiro. Mas bastou o pai vestir
seu sorriso irônico e falar isso para, em seguida, prevalecer nossas caras
preocupadas e o incômodo silêncio.
Inicialmente,
o Thio não se deu por rogado, sorriu e tentou mudar a conversa para algo menos
tenso, puxou um assunto sobre intolerância religiosa em civilizações neonazistas.
Qual-o-quê, o pai não resistiu em insistir em sua provocação.
- Mas, Thio,
você acha que tem que ficar realmente na sua zona de conforto?
Pronto, almoço
arruinado. Não que o Thio se prestasse dessa vez a responder à altura ao meu
pai como em tantas vezes anteriores fizera, é bem provável que os exercícios de
yoga que o Thio vinha fazendo às escondidas tenham surtido efeito desta vez. Ele
apenas sorriu, pediu desculpas por conta de um mal esclarecido compromisso que
tinha naquela tarde e saiu dispensando até o irrecusável café que minha mãe costumava
fazer para finalizar as refeições dominicais. Mas o almoço estava arruinado e o
único que parecia sentir prazer nisso era o meu pai.
Eu já sabia
de cor o que o Thio responderia caso quisesse entrar no pantanoso seara de ditados
ridículos e inúteis. Por qual razão alguém iria querer sair espontaneamente de
sua zona de conforto? Qual o problema de se sentir confortável afinal? E
concluiria exasperado com um “eu gosto muito da p.... da minha zona de
conforto, não há nada de errado nela e vão perturbar outros iguais a vocês”. Nada
disso, porém, iria reduzir o grau de stress que se seguiria caso ele resolvesse
retrucar as provocações dos autoajudistas de plantão. Quem de autoajuda se alimenta
não aceita nada que não seja outros conselhos desta nobre arte. Essa é, inexplicavelmente,
a zona de conforto de quem acredita que todos precisam sair de suas zonas de
conforto, vai entender!
Mas o pai
não se deu por vencido naquele domingo e, passados alguns dias, convidou um amigo
para nos visitar sabendo que o Thio iria estar também presente. E esse amigo
contava as maravilhas de suas aventuras, e a cada duas frases, incluía um “é
preciso sair de sua zona de conforto” para justificar suas atitudes. Seus
olhos, claro, brilhavam, iluminavam, por assim dizer, as supostas vidas
obscuras de seus interlocutores. E sorria o sorriso dos supremos.
O Thio
escutava a tudo calmamente, parecia estar com seu pensamento longe enquanto o
pai dava corda ao amigo que contava e contava aventuras, como se fosse
maravilhoso e imprescindível se aventurar a cada dia em algo novo. Em um dado
momento, o Thio perguntou:
- Pelo que
vejo, você gosta muito do que faz...
- Adoro, não
trocaria essa vida por nada.
- Sente-se
confortável, nela, não é?
- Sim,
poderia dizer que sim.
- Ótimo.
Então, seguindo o seu conselho, você deveria sair dessa zona de conforto.
Deveria ir para a casa e nunca mais se aventurar em nada, já que aventuras são
a sua zona de conforto.
- Ãh?
- E outra coisa. Parem de me encher com esses conselhos estúpidos, tenho mais o que fazer da vida! – completou o Thio saindo da sala logo em seguida. Pelo que percebi, ele voltou à sua zona de conforto, adorável conforto que só quem não entende quer sair.
Próximo domingo, dia 6/12/2k20, haverá o lançamento virtual da coletânea "Pandemia de palavras" da qual participo com um texto. Estão todos convidados:
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