Faz um tempinho isso, foi numa destas tantas noites de Natal a que somos atropelados anualmente. O Thio Therezo, sei disso porque ele me contou um dia, adorava estas noites. Não tanto pelas conversas que normalmente as povoam, nem tanto pelo silêncio imposto para se assistir a missa do galo pela TV, nem tanto pelas trocas de presentes, sinceros ou hipócritas ou pelos parentes que só vemos esporadicamente. Nada disso, mas sim porque mamãe, sua irmã, fazia o famoso lombo assado com farofa, creme rosê e purê de maçã.
O Thio
esperava o ano todo por isso, sabíamos todos e, quando chegava, nada o distraia
de seu prazer. Seu olhar era diferente, sua alegria, ele até aguentava as
provocações de meu pai exercendo o costumeiro e legítimo papel de cunhado.
Pois bem,
naquele Natal surgira a história do alinhamento de dois planetas que estaria
afetando o cotidiano e, como sempre são com essas coisas, estaria indicando
tempos melhores, o que, de fato e real, estava sendo cada vez mais raro. Papai
dissertava e dissertava sobre o tal fenômeno sem descuidar de seus olhares ao
Thio. Ele esperava algum tipo de reação do cunhado, afinal de contas o Thio era
um renomado especialista em questões tanto astronômicas quanto astrológicas, tanto
das científicas quanto das divinatórias. Famosas, por exemplo, ficaram as
frequentes consultas do Vaticano a ele para dirimirem dúvidas históricas, o que
incluiu em certo momento, por exemplo, uma cuidadosa revisão do calendário
usado atualmente e que só não foi colocada em prática por conta de obscuros
interesses econômicos.
Mas voltemos
ao alinhamento natalino que tanto empolgava o papai. Já gasto todo o seu
aparente entusiasmo e frente ao silêncio do Thio, papai resolveu se dirigir
especialmente ao cunhado:
- E aí,
Thio, o que me diz?
- Ah? – ele
parecia distraído saboreando o lombo suíno.
- O que me
diz, Thio?
- Esse porco
está divino. Parabéns, mana, você se superou!
- O que?
Você só tem isso a dizer?
- Claro que
não, o purê de maçã, soberbo! Como pode algo tão simples de ser feito ficar tão
bom!
O pai ficou
meio sem palavras frente à reação do cunhado, ainda mais que mamãe se deliciou
frente a tantos elogios e nada que se falasse naquele momento poderia superar aquela carinhosa troca
de olhares entre os irmãos queridos.
Logo, a
missa do galo começou e fez-se o habitual silêncio. O Thio, claro, aproveitou a
paz e repetiu mais uma vez o seu prato natalino. Enquanto um e outro, missa e prato
repetido, eu via o meu pai incomodado com a falta de resposta do Thio. Acabou-se
a missa, vieram os fogos de artifícios vistos da varanda, os abraços e beijos e
a usual confraternização.
Passado este
momento, justamente no pós-jantar, quando a mente e corpo pedem já o seu descanso,
e antes que o pai tivesse a oportunidade de retomar o assunto do alinhamento dos
dois planetas, o Thio comentou:
- A
propósito, falar em alinhamento de dois planetas só supera, em nível de baboseira,
a tal da sensação térmica que os jornais costumam anunciar. Ora, dois planetas
estarão sempre alinhados...
Silêncio se
impôs à preocupação ao que certamente viria.
- ... se ainda fossem três planetas, até que
teria alguma graça, mas dois! Dois?
Mamãe pensou
rápido e propôs abrirmos os presentes do amigo secreto. Mal sabia ela que papai
tinha tirado justamente o Thio e, esse, o papai. Os tais dias melhores tão
euforicamente anunciados pelo alinhamento planetário teriam que esperar ainda um
tempão para entrarem em cena.
Feliz Natal
a todos!
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