Acordei fora de hora, pensando em uma massagem. Mas foi
pensamento ou foi resquício do sonho que estava tendo? Por vezes me confundo,
inevitável não se confundir, nesses momentos em que tudo parece por demais
nebuloso (a realidade, quis dizer, não o sonho...).
Não que meus sonhos fossem estranhos, como muitos que já
ouvi e ainda ouço por aí. Acontece que essa fase de sonhos desconexos já tinha
se perdido nos anos, e fazia tempo que meu cérebro já não os escondia mais de
mim, que tampouco tentava o velho truque de me enganar, de criar subterfúgios
para, como dizem por aí, mostrar meu inconsciente através deles. Fazia tempo
que sonhava claro e límpido, sem inconsciente para me deixar pensativo demais e
tampouco perturbar meu dia a dia, relembrando questões mal resolvidas. Isso,
límpido e claro, sem interpretações que sejam ou que queiram nos impingir.
Por vezes, minha mente se diverte nessas horas dormindo
simplesmente inventando estórias, mostrando novos personagens, criando cenários
que, se eu tivesse a arte, poderiam ser transpostas para o papel ou em imagens
que fossem. Não tenho e tudo se acaba quando abro os olhos, estórias, cenários
e personagens se evaporam sem piedade nessa névoa que circunda esse meu
apartamento.
Ou simplesmente não sonho, aí é que é bom: sem sonhos, apenas
o leve ressonar de quem necessita de uma boa noite de sono. Já me disseram que
era impossível não sonhar. Bobagem, há dias em que eu não sonho e ponto final,
quem saberia mais de mim que eu mesmo?
Mas sonhava sim naquele dia. Sonhava, agora tenho a certeza,
sonhava que ela me massageava. Ela que agora, agora que acordo assustado, ouço
claramente gemer no apartamento em cima ao meu. Não é justo, ela está agora com
o chato do meu vizinho no andar de cima, já madrugada, gemendo e eu aqui, com
esse coração assustado, batendo feito uma bateria mal treinada. Também pudera,
o susto de acordar assim pensando em uma massagem e, de cara, ouvi-la gemendo
sim, aquele gemido que já pude comprar também e que tanto me excita. Ouvi-la
gemendo pro chato do vizinho, com certeza ela cobra bem mais dele do que cobrou
de mim. É justo, sem dúvida alguma, a tal taxa de insalubridade mental.
Levanto, o coração ainda descompassado. Titubeio pra
achar a porta do banheiro, pra encontrar a da cozinha, a do quarto na volta
para a cama. Ainda sonho com a massagem revigorante. Acordei sonhando com uma,
necessitando de uma.
O tempo passa, mas sem acalmar o meu coração ainda que
segue batucando e afinal chega o silêncio, um dos possíveis nessas longas
madrugadas. Fecho os olhos pra me concentrar, já não há ruídos estranhos nem
gemidos, só passos suaves deixando o quarto, um andar acima do meu.
Suo, mas sinto frio. Preciso de uma massagem, é o que eu
preciso agora, com urgência. Nem penso duas vezes, coração descompassado, saio
do apartamento e, frente ao elevador espero. Quanto tempo?
Tuctuc... tuctuctuc... tuc... tuc... tudo descompassado,
o ouvido zumbe minhas expectativas, o elevador passa por mim e para no andar de
cima, deve ter sido ela que chamou. Meio da madrugada, esse prédio nem muito
movimento tem durante o dia, imagina nessa hora... tuctuc... tuctuctuc...
tuc... tuc...
Ouço ela entrando e, sem pensar duas vezes, aperto o
botão, o elevador irá parar aqui no meu andar, ela irá parar aqui e terei a minha massagem revigorante.
E não é que ele para mesmo? Suo frio, coração
descompassando cada vez mais, sinto a vista turvar quando abro a porta do
elevador e ela está lá. Sorri ao me ver, parece se lembrar de mim. Tanto tempo
não nos vemos, mas mal trocamos olhares.
Tuctuc... tuctuctuc... tuc... tuc...
Quando consigo abrir meus olhos de novo, sinto uma mão
pesada em meu peito, finalmente a massagem. Escuresse novamente.
Noites depois, acordo em um lugar inteiramente
desconhecido e quem sorri para mim não é ela mais, é uma anja de branco que
velava sorridente o meu despertar.
Quer saber? Não tive curiosidade de saber tudo o que se
passou nesses dias em que fiquei desacordado, mas algo soube sim mesmo sem
perguntar. Disseram-me que me colocaram em modo de espera, isto é, induziram um
coma para que o meu cérebro diminuísse suas atividades. Até aí tudo bem, mas
acontece que depois ele demorou a voltar ao que era antes, a princípio nem no
tranco ele pegou direito. De certa forma, o inconsciente se aproveitou dessa
folga e tomou conta de tudo, voltei então a sonhar suas mensagens difíceis de
serem decifradas. Nada de estórias com sentido, de personagens coerentes ou
cenários deslumbrantes. Muito pelo contrário, tudo se tornou nebuloso em meus
sonhos e só muito e muito tempo depois, voltei a ter clareza nesses momentos.
Mas isso ainda está longe a acontecer, voltemos ao hospital.
Como disse, soube pouco do que realmente aconteceu comigo.
Mas de algo a mais eu soube, soube que ela, além de me
socorrer e me acompanhar até o hospital, veio também me ver em alguns dias
depois disso. Lembro, ou foi sonho, de sua mão apertando a minha. Lembro, ou
foi sonho, de um beijinho de leve em meus lábios secos. Lembro, ou foi sonho,
de seu sorriso carinhoso. Contaram-me que na véspera do dia em que acordei, ou
fui acordado dessas minhas férias mentais, ela ainda esteve me visitando. E
agora, as enfermeiras estavam estranhando a falta de visita de minha namorada,
assim ela se declarou no dia em que me acompanhou até lá.
- Bonita namorada você tem - me disse uma delas. Só mesmo
concordando, o que fiz ainda por trás dos tubos que me rodeavam.
Mas, como eu me mantinha calado sobre sua ausência, elas
também pararam de mencionar coisa que fosse. Minha mente então se voltava para
a primeira gaveta da mesa do escritório em casa, lá estava o cartão dela, já a
tinha chamado algumas vezes mas não decorara o seu número. E, não via a hora de
chegar em casa e ligar para ela, agradecer, dizer que já estou liberado,
estou?, e chamá-la para uma interminável sessão de gemidos mútuos.
Em todo o caso, minha esperança de vê-la chegando para me
visitar ainda persistia em igual medida que essa nova leva de sonhos estranhos.
Nunca soube exatamente o que tive, só sei que isso me custou quase duas semanas
de hospital e uma longa recaída no domínio desse tal inconsciente.
Ela não veio, mas sim a minha tia, a mãe de minha prima,
minha namoradinha de quando éramos crianças, eu mais do que ela, ao menos todos
assim diziam. Acharam-na fuçando em minhas redes sociais e, na falta da
namorada que sumira assim sem deixar rastros, nada melhor que uma tia
recém-descoberta.
Ela me levou para casa e cuidou de mim lá por quase um
mês antes de decidir que melhor seria voltar a cuidar de sua própria vida.
Nesse aspecto, igual à irmã dela, minha mãe, que me deixou na mão quando eu
ainda era o namoradinho de uma de suas sobrinhas.
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