Um grande amigo do Thio Therezo, que foi um dos presidentes
da Ponte Preta, certa vez decretou que uma
feijoada só é completa se tiver uma ambulância na porta.
Pois
bem. As feijoadas que o Thio organizou por muito tempo naqueles sábados
modorrentos não só pediam uma ambulância na porta como também disponibilizavam,
na mesinha do café, dois potes. Um com Rosuvastatina Cálcica pra quem exagerou
no torresminho e outro com Glifage 500 pros formigões da festa. Engovs e
quetais eram oferecidos já na entrada.
Mas o
que sempre chamou a atenção ao final desses famosos sábados era o olhar
distante, a voz embargada e a cara de bêbado cansado que nosso primo de Itu
exibia invariavelmente no meio da tarde. Não que essa expressão apenas ele
demonstrasse, longe disso, tais olhares e vozes e caras eram corriqueiros entre
os participantes. Também pudera! Com a completa feijoada, o que se esperar
então?
A estranheza vinha do fato
de que o primo não bebia nada além de água mineral, comia com moderação o seu
feijãozinho com farofa e couve, evitava as carnes mais gordurosas, uma
laranjinha pra acompanhar e só. Mas a cara de quem tomou todas era inevitável e
isso intrigava o anfitrião. Um dia, o Thio trouxe, de brincadeira e ao final da
comilança, um daqueles aparelhinhos de medir teor alcoólico. Logo, uma
competição começou entre os presentes que conseguiam a proeza de abrir os
olhos, em meio a gargalhadas gerais e vômitos esparsos.
O primo de Itu, claro,
ganhou de lavada, com o aparelho batendo recordes após o seu sopro! Nem
adiantou os seus protestos de que não tinha bebido nada, de que sequer gostasse
de bebida alcoólica, ainda mais de cerveja ou de caipirinha que eram as que
mais o Thio oferecia nessas homenagens a Baco. Nada que falasse adiantou e ele
ficou, desde então, conhecido como o grande bebedor da família. Não que muitos
lembrassem de alguma coisa depois da festa, muito menos daquela em que uma
ambulância não foi suficiente, mas bastou um que espalhasse o boato...
O Thio, porém, lembrava bem
das circunstâncias e, tão logo sua ressaca passou, ele tentou investigar esse
mistério: como alguém que não bebe nada poderia ficar embriagado daquele jeito?
O Thio, sabemos todos, não descansava enquanto não conseguisse explicações
racionais a qualquer coisa de estranho que o circundasse.
Anos de investigações e o
Thio descobriu que, por um defeito em seu DNA, o primo de Itu metabolizava
álcool a partir de uma inusitada combinação do feijão preto utilizado na
feijoada com a laranja que vinha do pequeno pomar que o Thio mantinha em seu
quintal e que era o seu xodó. A embriaguez era, então, consequência de uma
característica genética que afligiria o primo e não de um suposto e imprudente exagero
alcoólico.
Entusiasmado com suas
descobertas, o Thio prosseguiu nos estudos e conseguiu provar essa tese,
trabalho publicado com louvor na melhor revista científica da área. Prêmios
levou por suas descobertas, até um IgNobel foi-lhe dado pela prestigiosa Harvard.
Posteriormente, animado com
o sucesso de sua pesquisa, ele supervisionou um estudo, teses de doutorados
incluídas, que levou ao teste para identificação de outros portadores desse
determinismo genético. No entanto, apesar de muitos terem se submetido a esse
preciso e indolor teste, nenhuma outra pessoa foi identificada como portadora
dessa anomalia genética e o assunto foi sendo esquecido. Restou o registro nos
anais da academia científica.
Quanto ao primo, esse evitou
desde então a explosiva mistura e viveu sóbrio até morrer de tédio em sua casa
no interior.
[[A segunda parte dessa estória será publicada na semana que vem.]]
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