quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Setor 24 do Estádio da Luz


          Há tempos o setor 24 do Estádio da Luz é, digamos assim, místico. E para o Thio Therezo, em particular, é o setor que tem o maior encanto no principal estádio português. Pois foi lá que ele assistiu, estupefato, à derrota de Portugal para a Grécia na final da Eurocopa de 2004. Chorou junto aos adeptos portugueses, naquela que seria a grande decepção futebolística do país (doze anos depois, Portugal iria ganhar o seu título, mas longe da Luz o que, digamos, não é a mesma coisa...). Foi nesse setor também que o Thio viu o Real ganhar do Atlético, ambos de Madrid, aquela final épica da Champions de 2014.
Não por outro motivo, quando o Thio Therezo foi comprar ingressos para o jogo do Benfica com o Ajax, ele escolheu justamente esse setor. Jogo crucial da Champions League para a equipa dos encarnados.
          É lá que encontramos o adepto cego que acompanhou tudo com o seu fone de ouvido. Torceu, festejou o golo do Benfica que aconteceu bem na nossa frente, sofreu no escuro o seu sonho de vitória.
Mas é lá também que a menina de seus quinze anos xingou e xingou os jogadores e tanto xingou que o Thio comentou com a gente que estava atualizando o seu vocabulário de adepto português. Aliás, a torcida feminina do setor 24 foi bem atuante, gritos e gestos.
          Foi lá que ouvimos os adeptos (ouvimos mas não vimos direito) do Ajax logo acima da gente, nível 2 do estádio. Pequena e barulhenta, essa torcida se sobrepôs aos gritos de “Benfiiiiicaaa...” em quase todos os momentos do jogo. E, antes mesmo de seu início, vimos as cadeiras vermelhas se lançarem em longos vôos inimagináveis, reagindo assim aos cassetetes (cacetetes?) e sprays pimenta da tropa de choques. De um lado a outro, de outro lado a um, as cadeiras ao final trocaram de lugar, tão cansadas elas estavam daquela rotina numérica.
          É, foi lá que, bem atrás da gente, dois ingleses falaram e falaram e falaram o jogo inteiro (e como falam os ingleses!), naquele tom monocórdio e supostamente engraçado (e como eles se acham engraçados!). Parece que até viram um ou outro lance da partida.
          Torcida uniformizada japonesa nas primeiras fileiras.
          Muitos adeptos do setor 24, muito mais do que de outros setores, foram transportados instantânea e miraculosamente aos telões do estádio. Aos pares, grupos dispersos ou mesmo sozinhos todos sorriram e acenaram desfrutando de seus eternos momentos.
          Lá, no setor 24 nada escapa... Nem o melô do fingidor:
O jogador é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que pretende quente
          E lugar melhor não há para se ver o rasante que a águia Vitória dá sobre os torcedores no pré-jogo antes de pousar gloriosa, como gloriosa é a equipa dos encarnados, no meio do gramado. Ou ver o gandula passar o jogo brincando com a bola, sonho de garoto, sonho de estar dentro do campo do Estádio da Luz e brilhar.
          Beijos calorosos, flertes desperdiçados na noite friazinha, selfies abundantes, premières, repetições, reencontros, acertos de contas, desacertos, cadeiras ocupadas por espertinhos, hot-dogs fedorentos, cervejas baratas.
          Nada se perde estando no setor 24, nível 0, do Estádio da Luz. Nada.
          Cachecol comemorativo e gorro vermelho, despedimo-nos do Thio logo que saímos do estádio e caminhamos para casa no friozinho de novembro, acompanhados de outros torcedores e sonhos e cotidianos suspensos, deixando para trás o setor 24 à espera de seus novos momentos de glória.
Ah! E o jogo? Terminou empatado...


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